Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
Prado tinha ampla visão do prado e do fato que por ele se movimentava mansa e ordeiramente...
Antes de prosseguir, é bom fazer algumas observações acerca do primeiro parágrafo que, assumo, pode suscitar alguma confusão. O Prado inicial é o nome do observador, um homem bom e leal. O segundo prado é uma campina, um campo no qual o observador deitou o olhar. E o fato visto pelo observador é um rebanho de caprinos.
Isso esclarecido, podemos dar sequência ao relato.
Com o costumeiro olhar compassivo, Prado admirou os carneiros, as ovelhas e os cordeiros. Ratificando o mencionado no parágrafo inicial, os animais se movimentavam mansa e ordeiramente, o primeiro a passar pela porteira foi um carneiro. Num sussurro quase inaudível, Prado iniciou a contagem:
“Um...”
Então outro carneiro passou pela porteira. E Prado, o homem bom e leal, sorriu com sutileza e disse:
“Dois...”
Depois passou uma ovelha pela porteira. Prado continuou com a contagem:
“Três...”
Para Prado, fazer a contagem dos carneiros, ovelhas e cordeiros, era uma tarefa relaxante.
“Quatro...”, continuou o bom Prado ao constatar a passagem de um cordeiro pela porteira.
Quando Prado atingiu o número quatrocentos e noventa – ou setenta vezes sete -, começou a suspeitar que no ar do lugar, estranhezas flutuavam. Era como se... Como diz a letra da canção, tudo estivesse certo como dois e dois são cinco. Decidida e indubitavelmente, o mundo estava perdendo o encanto.
As sardas brilhantes que enfeitavam a tez das noites da infância de Prado haviam desaparecido. A poluição tinha apagado as estrelas do teto do mundo, os homens apenas promoveram a poluição.
Prado decidiu abortar os pensamentos aleatórios e prosseguir com a contagem dos carneiros, ovelhas e cordeiros:
“Quatrocentos e noventa e um...”
Continuou com a contagem. Contou os dóceis animaizinhos até que a claridade do dia se fez presente. Sentou-se então no papelão que lhe servia de cama e, com o queixo fincado no peito em reverente respeito a Deus e as mãos postas, fez uma silenciosa oração. Depois dobrou o papelão, sentindo nas mãos o contato com um torturante pó áspero. Um calafrio o fez tremer ao pensar que o método de contar carneiros, ovelhas e cordeiros, tornara-se ineficaz para afugentar a insônia. O que mais doía era saber que aquele método fora aprendido com a mãe, ainda na infância, e funcionava. O tempo corrói os sonhos até mesmo de quem não consegue dormir.
Prado sabia que seu país estava derretendo. A truculência, a mentira, a incompetência... Eram tantas as mazelas que, tornara-se inevitável – pelo menos ao homem sensato – o convívio com a insônia; mas, nada podia fazer para mudar tal realidade. Quando mais tarde, dirigiu a palavra a um senhor para pedir um pouco de comida, sentiu outro calafrio. Emitira apenas um balido.
Prado também havia se transformado em carneiro.