Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
A bebida preferida do Gregório sempre foi cerveja. Volta e meia, no entanto, Gregório costuma tomar um chá... De sumiço. Os sumiços do Gregório acontecem inopinadamente, sem aviso prévio. E quando reaparece sempre está usando uma camiseta com nomes de pontos turísticos: Canoa Quebrada, Trancoso, Caldas Novas, Praia do Rosa, Bento Gonçalves etc. O Gregório é um aventureiro nato e inquieto, o que na década de sessenta do século XX, chamávamos de mochileiro. Por isso mesmo, os conhecidos não ficaram surpresos quando, mais uma vez, o Gregório desapareceu.
Depois de ponderar acerca de alguns pontos turísticos, a turma chegou à conclusão de que o Gregório devia estar em visita aos Lençóis Maranhenses.
“Nesse momento, provavelmente o Gregório está em Barreirinhas”, disse o Danilo – o mais viajado da turma -, depois de esvaziar seu copo de cerveja, “já que Barreirinhas é a cidade que oferece melhor estrutura para visitar Lençóis.”
E não se tocou mais no assunto. Quatro meses depois, a turma estava reunida no bar quando, de repente, o Gregório adentrou o recinto e fez um cumprimento coletivo:
“Alô pessoal, vocês não imaginam o prazer que sinto em revê-los!”
Gregório pediu ao garçom que trouxesse mais cervejas e um copo e disse:
“Quais as novidades?”
Todos foram colhidos pela surpresa. Ninguém sabia o que dizer. A surpresa, entretanto, não era graças à aparição repentina do Gregório; acontece que o recém-chegado usava uma camiseta lisa, sem nenhuma palavra – ou mesmo letra -, sem nenhum símbolo... Nada, totalmente lisa.
Ante o mutismo coletivo, o Gregório continuou a falar:
“Vocês são testemunhas de que sempre evitei falar sobre política, isso mudou, já não é possível ficar calado diante do que está acontecendo no país, cada um de nós tem um compromisso para com a história, bem como para com as gerações vindouras, não devemos mais permanecer calados, é preciso falar, gritar, se preciso for, discutir, denunciar, enfim, exercer cidadania.”
Todos continuavam calados, olhos fixos na camiseta do Gregório, que continuou:
“Não temos um governo, mas um desgoverno, o país está derretendo; num momento de pandemia, não temos um líder para comandar as ações, estamos mergulhados num retrocesso até mesmo no processo civilizatório, a auto-estima do povo está abaixo do porão, o presidente, com seu vocabulário limitado e recheado de coprolalias agride diuturnamente os cidadãos que já não têm forças para reagir, apenas aceitam resignadamente as humilhações enquanto sepulta seus entes queridos.”
“O presidente sabotou as vacinas e incentivou o povo a jogar um jogo mortal e não tomar as devidas precauções em relação à pandemia”, disse o Gregório, “seguramente, não fosse a postura irresponsável da autoridade máxima do país, o número de óbitos causados pela Covid-19 seria menos de um terço do que hoje temos, mas o pior de tudo, é o que eu chamo de mudança de paradigma, quer dizer, sempre tivemos corrupção e incompetência, mas reprovávamos isso, agora não, o presidente cometeu dezenas de crimes e, mesmo assim, uma parcela da sociedade o apoia, e uma sociedade que endossa o crime está perdida, o que representa inegável perigo.”
“Mas esse governo sempre foi tenebroso”, disse o Danilo, “responsável, inclusive, por muitas mortes, por que só agora seu discurso ficou inflamado?”
E a resposta do Gregório explicou o fato de ele estar usando uma camiseta lisa:
“É que contrai Covid-19, quase morri, quando se sente na pele a história muda.”