O Brasil está diante de um cenário que certamente preocupa a todos os profissionais de saúde, instituições que atuam na área da oncologia e a população em geral. Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), a enfermidade é a segunda principal causa de morte no país, com previsão de 626.030 novos casos e 225.830 óbitos. O diagnóstico tardio e tratamento inacessíveis são comuns, o que mostra a falta de foco e de prioridade às neoplasias malignas. Encontram-se sem controle, sem padrão de atendimento, organização e sem dados confiáveis que possibilitem os investimentos necessários, quando pensamos em um país de dimensões continentais como o nosso.
Uma revolução na oncologia se faz necessária e precisamos, cada vez mais, contar com a participação do poder público e da sociedade civil organizada para mudar essa realidade. Pensando na urgência desse assunto, na última terça-feira, 7 de dezembro, foi apresentada a nova proposta de Política Nacional do Câncer (PNC), durante uma Audiência Pública na Câmara Federal, na Comissão Especial de Combate ao Câncer, por meio de seu presidente o Deputado Federal Weliton Prado e a relatora, a Deputada Federal Silvia Cristina. Dotada de pilares fortes, reais e possíveis de serem realizados, ainda assim, necessita dos esforços de vários atores para que a jornada do paciente com câncer seja completa e consistente com os desafios e necessidades que a própria doença impõe. Já o texto da nova PNC, trabalhado nos últimos 18 meses, contou com intensa e dedicada participação do Instituto Lado a Lado pela vida, além de contribuições de associações de pacientes, sociedades de especialidades, entre outros setores da saúde.
A PNC foi desenhada com objetivo de rever e reverter pontos essenciais que merecem reflexão, propondo alterações e revisões da política de combate à doença no Brasil, dando ênfase a soluções mais equilibradas, acessíveis e coerentes, não se esquecendo do lado mais impactado desse processo: o paciente.
O estabelecimento claro e objetivo das regras viáveis e condizentes com a nova política de combate ao câncer no Brasil é a nossa prioridade dentro da nova proposta. Para isso, contamos com a aprovação do Fundo Nacional de Prevenção e Controle do Câncer como meio de manutenção e ampliação do orçamento destinado ao assunto. Além de transformar em lei a previsão dos recursos financeiros para o setor, lutamos para conquistar a garantia de rubrica específica para a oncologia, com intuito de dar transparência e efetividade para a aplicação de recursos públicos, principalmente a partir da revisão dos valores e atualização da tabela SIGTAP (Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS) e a implementação de novos procedimentos de pagamento no processo de tratamento do câncer no país.
Uma nova gestão
Quando falamos em gestão, estamos tratando dos gastos para implementação. Temos como contribuir com esse ponto, porque a partir da prevenção e do diagnóstico precoce, é possível ter tratamentos mais rápidos, menos dolorosos e com menos gastos, criando perfeitas condições de investir melhor os recursos, pensando na reabilitação e no acompanhamento pós-terapêutico, pontos essenciais para fechar o ciclo da jornada do paciente.
Precisamos aplicar os recursos disponíveis de forma assertiva, contínua e eficaz, levando em conta a magnitude continental do Brasil e todas as suas características regionais. A revisão tributária na aquisição de medicamentos também é uma questão-chave nesse contexto orçamentário, já que precisamos reduzir o custo desse processo na ponta. Propomos o cumprimento de prazo de até cinco anos para essa aquisição, com mudanças na nova Lei de Licitações para prever a aquisição direta, além de estabelecer procedimentos de controle de distribuição, estoque e dispensação, principalmente em relação a doações de medicamentos dos laboratórios ao Sistema Único de Saúde, que também ajudarão no acesso mais rápido do paciente às tecnologias importantes para o tratamento.
Nesse sentido, propomos um debate abrangente e que contemple desde a prevenção, diagnóstico e tratamento, até a reabilitação e acompanhamento e dada a complexidade da doença, que apresenta diversas formas, entendemos que devemos começar pelos cânceres de mama, próstata, pulmão, colo do útero e melanoma. E para que a jornada do paciente seja completa, é preciso entender e aplicar inovação na definição de protocolos e processos específicos de gestão em todas as etapas com estabelecimento de uma linha de cuidados para o câncer que possa ser replicada não só nas grandes cidades, mas também nas áreas mais afastadas. Não podemos mais admitir que se tenha protocolos diferentes para a mesma doença. A transformação necessária é estrutural e só dessa forma poderemos ter uma oncologia como um plano de estado e não de governo.
O processo de reabilitação do paciente com câncer é outra etapa importante para garantir melhor qualidade de vida e está inserida na nova proposta de política nacional. Considerando o resultado de sequelas a partir de processos invasivos e traumáticos, o aumento das oportunidades de cura e sobrevida é fundamental para fechar o ciclo da doença. Pacientes com câncer têm experimentado resultados negativos para retomar a rotina diária, consequência de efeitos físicos, neurológicos, adversos ou sequelas do tratamento, sejam eles cirúrgico, medicamentoso, de quimioterapia ou radioterapia. As reabilitações são classificadas em preventiva, restauradora, de suporte ou paliativa sendo necessário avaliar seu importante papel na jornada do paciente.
Outro ponto fundamental é a dedicação ao aprimoramento do diagnóstico. Segundo a equipe médica do Hospital do Amor, se os diagnósticos de cânceres forem feitos mais rapidamente no Brasil, é possível atender até 80% dos casos com maior possibilidade de tratamento adequado e mesmo de cura, especialmente os mais comuns como o de colo uterino, por exemplo. O diagnóstico precoce é essencial para a aplicação efetiva das novas políticas propostas, especialmente se levarmos em conta a legislação já em vigor no país que limita o prazo de início do primeiro tratamento de pacientes com neoplasia maligna para 30 ou 60 dias no máximo, a partir do diagnóstico comprovado.
Cuidar da infraestrutura e da ampliação da participação estadual e municipal nos processos de prevenção e rastreamento na Atenção Básica também fazem parte da nova proposta. Por conta de sua composição continental, é fundamental que o Brasil tenha mais centros de referência em oncologia espalhados por todas as regiões do país. A ampliação de estruturas físicas integradas a centros regionais de diagnóstico e patologia que atuem em casos de média e alta complexidade, além da ampliação de CACONS (Centros de Alta Complexidade em Oncologia) e UNACONS (Unidades de Alta Complexidade em Oncologia) e a modernização estratégica de aperfeiçoamento do SUS, vinculando o atendimento às inovações tecnológicas de tratamento como a telemedicina, por exemplo, são necessários para melhorar o atendimento básico. Outro ponto de extrema importância é o treinamento e capacitação dos profissionais de saúde em todos os níveis, incluindo gestores, agentes comunitários e cuidadores, envolvidos direta e indiretamente no diagnóstico e tratamento do câncer.
Como se percebe, as soluções para esse tema no Brasil são complexas, mas perfeitamente possíveis. Passamos por um momento de transição política e revisão orçamentária para o ano que se aproxima. Em menos de dez anos, o câncer será a principal causa de morte entre os brasileiros e precisamos agir para implementar as mencionadas mudanças estruturais que irão, sem dúvida, refletir em uma transformação no cenário do câncer no país, ou seja, uma verdadeira revolução na forma de entender, diagnosticar e tratar o paciente com câncer. Se depender de mim, essa revolução já está garantida!