Ação do MPT foi ajuizada após inquérito civil que apontou o uso de atletas menores de 14 anos em atividades de rendimento e competições e a contratação de atletas menores de 18 anos de maneira informal e sem remuneração
América de Rio Preto está proibido de organizar categorias e de contratar atletas mirins amadores por meios informais (Foto: Reprodução/TV TEM)
O MPT (Ministério Público do Trabalho) obteve sentença junto ao Juizado Especial da Infância e Adolescência (JEIA) de São José do Rio Preto, que determinou a dissolução das categorias de base organizadas para menores de 14 anos do América Futebol Clube de São José do Rio Preto, proibindo o clube de organizá-las e de contratar atletas mirins amadores por meios informais.
A decisão do juiz Hélio Grasselli, proferida em 31 de agosto de 2021, declara nulas as contratações informais de atletas mirins e amadores, obrigando o réu a reconhecer a relação de emprego existente com atletas maiores de 16 anos, bem como a relação de emprego, na modalidade de aprendizagem, com atletas de 14 e 15 anos. Todos devem ter o contrato formalizado em carteira de trabalho e receber salários todos os meses, com base no salário-mínimo.
A sentença também impõe uma série de obrigações ao clube, sendo elas: providenciar gratuitamente assistência de técnicos e preparadores físicos; providenciar alojamentos salubres, atendendo critérios sanitários e normativos; providenciar gratuitamente ao menos 3 refeições por dia, planejadas por nutricionista; garantir a matrícula dos jovens atletas em instituições de ensino, controlando frequência e rendimento escolar; disponibilizar plano de contingência médica para urgências que exijam primeiros socorros e transporte imediato, bem como disponibilizar departamento médico do clube (com estrutura adequada, médico e auxiliar de enfermagem contratados) e centro de reabilitação, próprio ou conveniado, com estrutura adequada (incluindo profissionais de reabilitação física, psicólogo e assistência odontológica); realizar exames médicos pré-participação, complementares e periódicos; contratar seguro de vida e de acidentes pessoais aos atletas mirins; fornecer transporte para treinos e jogos e passagens para que os atletas visitem seus familiares; observar jornada de trabalho de até 4 horas por dia e descanso de 30 dias por ano, que coincida com as férias escolares.
Para a reparação dos danos morais causados à coletividade, o América FC de São José do Rio Preto deve pagar indenização no valor de R$ 100 mil, reversível a entidades de proteção a crianças e adolescentes da cidade, que serão indicadas pelo MPT na fase de execução do processo. Caso descumpra a sentença, o réu pagará multas diárias de R$100, para cada item infringido, multiplicadas por atleta prejudicado. Cabe recurso da decisão ao Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15).
O MPT em São José do Rio Preto, por meio do procurador Luciano Zanchettin Michelon, investigou o América entre os anos de 2016 e 2019, a partir de denúncia sigilosa.
O procurador constatou, por meio de extensa documentação e outras provas juntadas no inquérito civil, que o clube desrespeita o que estabelece o art. 3º, I da Lei 9.615/98 (Lei Pelé), que prevê "o desporto educacional praticado nos sistemas de ensino e em formas assistemáticas de educação, evitando-se a seletividade, a hipercompetitividade de seus praticantes". A referida lei proíbe, portanto, o esporte competitivo e de alto rendimento para pessoas menores de 14 anos. A própria Constituição Federal proíbe o trabalho para pessoas dessa faixa etária.
No inquérito ficou evidenciado que as categorias de base do América com idade inferior a 14 anos não se enquadram na modalidade de desporto educacional, mas sim na modalidade de desporto de rendimento, organizado e praticado de modo não profissional.
Em resposta ao ofício encaminhado pelo MPT, a FPF (Federação Paulista de Futebol) informou que o América disputava, no ano de 2016, o Campeonato Paulista de Futebol nas modalidades Sub 11 e Sub 13. Restou comprovado, portanto, que crianças entre 10 e 13 anos trabalhavam para o réu como atletas mirins praticantes de futebol em competições amadoras organizadas pela FPF, mesmo com a proibição constitucional do trabalho, ainda que na condição de aprendiz, para o menor de 14 anos, sem contrato de aprendizagem desportiva e sem remuneração.
O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente atestou que o América não possui registro, nem inscrição de projetos junto ao órgão.
No decorrer do inquérito, o MPT tomou ciência de que a Promotoria de São José do Rio Preto investigou o clube por denúncias de negligência, alojamentos inadequados e exploração sexual. Em diligência nos alojamentos, realizada em 2016, o Conselho Tutelar flagrou adolescentes sem alimentação e abandonados; a Vigilância Sanitária atestou irregularidades relativas à falta de higiene e limpeza nos alojamentos, falta de controle de pragas, lotação dos quartos e ausência do controle de qualidade da água consumida pelos adolescentes.
Na oportunidade, a Promotoria ajuizou ação cautelar pedindo a apreensão dos adolescentes para que fossem encaminhados aos seus pais. O MPT conduziu o inquérito até outubro de 2019, na tentativa de celebrar termo de ajuste de conduta (TAC) com o clube, a fim de solucionar extrajudicialmente a questão. Sem alternativas, a ação civil pública foi ajuizada em 2020.
“Trata-se de um clube que explora o trabalho de crianças em categorias de base sem observar condições mínimas etárias, formais e remuneratórias. Não poderia causar espécie, portanto, a ausência de sua qualificação como entidade formadora. Contudo, não são apenas esses ilícitos que impedem a qualificação administrativa do réu como apta a funcionar em categorias de base: de acordo com a Resolução da Presidência 01/12 da CBF, para ser qualificada como formadora a entidade precisa proporcionar não só assistência técnica aos atletas mirins, como também assistência educacional e médica; providenciar alimentação e estruturas de alojamento adequadas; transporte, remuneração e contratação de seguros”, explica o procurador.