A partir da delação premiada do senador Delcídio Amaral
(sem partido-MS), a Procuradoria-Geral da República deverá decidir nos próximos
dias se pede ao Supremo Tribunal Federal (STF) abertura de inquérito para
investigar a conduta da presidente Dilma Rousseff (PT) na nomeação do ministro
Marcelo Navarro para uma vaga no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A
Procuradoria-Geral também deve pedir ao STF a investigação de denúncias contra
o vice-presidente Michel Temer (PMDB) e um dos principais líderes da oposição,
o senador Aécio Neves (PSDB-MG). Já o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
que já é alvo da força-tarefa da Lava-Jato, deve ser investigado pelas
denúncias de Delcídio.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, deverá ainda
pedir abertura de inquérito para investigar o ministro da Educação Aloizio
Mercadante (PT) por suposta tentativa de obstrução das investigações da
Operação Lava-Jato. O grupo de trabalho, que está à frente das investigações da
Lava-Jato na Procuradoria-Geral, deverá chamar para depor o lobista Marcos
Valério Fernandes de Souza, o que pode resultar na reabertura do mensalão, o
processo que levou à prisão a antiga cúpula do PT. Valério será chamado para
explicar se recebeu dinheiro do PT a mando do ex-presidente Lula para não
denunciar líderes do partido durante o processo do mensalão.
As medidas a serem adotadas estão sendo analisadas pelo
Grupo de Trabalho da Procuradoria-Geral da República. O trabalho deve ser
finalizado depois do retorno de Janot, que está em viagem à França e à Suíça
para tratar de assuntos relacionados à Lava-Jato. Para investigadores do caso,
a delação de Delcídio desnuda uma parte importante da estrutura da corrupção na
política brasileira. As revelações do senador ajudariam a montar o quadro geral
sobre os desvios de dinheiro público que vem sendo traçado desde o início da
Lava-Jato há dois anos. Os desvios estariam incorporados às práticas políticas.
— Chegou-se a um consenso : política se faz assim (com
desvios) — afirma uma das autoridades da Lava-Jato.Num dos depoimentos da
delação premiada, Delcídio acusou a presidente Dilma de nomear o ministro
Marcelo Navarro com a missão de soltar executivos Marcelo Odebrecht, da Odebrecht,
Otávio Azevedo, da Andrade Gutierrez, dois dos principais executivos acusados
de envolvimento com a corrupção na Petrobras. O senador falou sobre uma
conversa que teria tido com a presidente sobre o assunto nos jardins do Palácio
da Alvorada, mas não ofereceu provas para amparar a acusação. Caberá agora aos
procuradores analisar se as informações disponíveis são suficientes para
sustentar um pedido de investigação sobre a presidente.
Para um dos investigadores, é certo que a indicação do
ministro precisa ser devidamente esclarecida. Depois de nomeado para o STJ,
votou em favor de habeas corpus para Marcelo Odebrecht e Otávio Azevedo. Quando
as decisões se tornaram alvos de críticas o ministro deixou de atuar no caso. A
Procuradoria-Geral entende também que é necessário investigar a conduta do
vice-presidente Michel Temer na indicação de João Augusto Henriques para a
diretoria Internacional da Petrobras. Vetado para o cargo por problemas no
Tribunal de Contas da União, Henriques abriu caminho para a nomeação de Jorge
Zelada.
Hoje Zelada é acusado de chefiar um dos esquemas de desvios
de dinheiro da Petrobras para o PMDB da Câmara. O grupo da Câmara, segundo
Delcídio, seria liderado por Temer e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha
(PMDB-RJ). A indicação de João Henriques e, logo depois, Jorge Zelada teria
sido barganhada pelo apoio de parte do PMDB à aprovação da CPMF na Câmara. A
proposta acabou sendo derrubada no Senado. Para a Procuradoria-Geral, o caso
Temer deve ser investigado no inquérito 3989, a investigação sobre a estrutura
política da corrupção na Petrobras relacionada ao PT, PP e PMDB.
A Procuradoria-Geral deverá incluir o nome do ex-presidente
Lula também na investigação do inquérito principal sobre as fraudes na
Petrobras. Num dos depoimentos, Delcídio acusou Lula de participar de uma
manobra para comprar o silêncio de Marcos Valério durante o processo do
mensalão. Valério teria cobrado R$ 220 milhões para se manter calado. O senador
teria levado o caso a Lula. O ex-presidente teria, então, autorizado o senador
a procurar Paulo Okamoto, um de seus assessores. Os ex-ministros Antônio
Palocci (Fazenda) e Márcio Thomaz Bastos (Justiça), já falecidos, também teriam
entrado no circuito para completar a operação.
O senador disse não saber se os valores pedidos por Valério
foram pagos integralmente. Os procuradores vão, a partir de agora, chamar
Valério para depor. Eles querem saber se o lobista confirma se vendeu o
silêncio. Para os investigadores, se tiver informação relevante e quiser
colaborar, Valério teria as portas abertas para também fazer acordo de delação
premiada. Neste caso, ele poderia até pleitear redução da pena a que foi
condenado no mensalão, quase 40 anos de prisão. Eventual acordo dependeria de
aval do STF.
A Procuradoria-Geral também examina a possibilidade de
incluir o ex-presidente na denúncia já formulada contra Delcídio e o banqueiro
André Esteves, entre outros, por tentativa de obstrução das investigações da
Lava-Jato. Delcídio confessou participação na trama para manipular a delação do
ex-diretor de Internacional da Petrobras Nestor Cerveró, mas disse que assim o
fez para atender a um pedido de Lula. O ex-presidente estaria preocupado com a
delação de Cerveró, que poderia atingir o empresário e amigo José Carlos
Bumlai, também acusado de fraudes contra a Petrobras.
Delcídio relatou conversa em que teria tratado do assunto
com Lula. Os procuradores estão analisando as informações para saber se os
indícios já são suficientes para ampliar a denúncia a apresentada ao STF.
A Procuradoria-Geral também deverá pedir abertura de
inquérito para investigar suposta tentativa de Aécio Neves de obstruir as
investigações sobre as origens do mensalão pela CPI dos Correios. Segundo
Delcídio, Aécio pediu para a CPI prorrogar o prazo de entrega de documentos do
Banco Rural. Mais tarde o senador descobriu a manobra tinha como objetivo dar
tempo ao Banco Rural de maquiar dados comprometedores contra Aécio, então
governador de Minas Gerais. Delcídio também acusou Aécio de receber propina de
empresas acusadas de desviar dinheiro de Furnas.
Para os investigadores, as informações já são suficientes
para sustentar abertura de inquérito sobre Aécio, especialmente para apurar a
suposta maquiagem do Banco Rural. Esta seria uma segunda frente de investigação
que poder resultar na reabertura das investigações do mensalão. Desta vez para
apurar as origens do esquema. Os investigadores têm dúvidas, no entanto, se as
informações de Delcídio poderão levar a abertura de um segundo inquérito sobre pagamentos
de propinas em Furnas.
Numa outra frente, está praticamente certo que a
Procuradoria-Geral pedirá abertura de inquérito para apurar sobre suposta
tentativa de Mercadante de impedir a delação de Delcídio. Para os
investigadores, se tivessem tomado conhecimento da conversa em que Mercadante
oferece ajuda a Delcídio antes o início da delação do senador, o ministro
poderia ter sido alvo de um pedido de prisão preventiva. Numa conversa com José
Eduardo Marzagão, assessor de Delcídio, Mercadante se coloca a disposição para
ajudar o senador que, naquele momento, estava preso.
Fonte: Agência O Globo