Coordenador do Programa de Saúde Mental de Votuporanga falou sobre os impactos que os profissionais enfrentam
Reinaldo Carvalho, coordenador do Programa de Saúde Mental da cidade, falou sobre os impactos na saúde mental dos profissionais (Fotos: Santa Casa de Votuporanga e arquivo pessoal)
Pedro Spadoni
pedro@acidadevotuporanga.com.br
Vidas salvas e vidas perdidas. Quase todos os dias, trabalhadores da área da saúde que estão na linha de frente do combate à Covid-19 comemoram altas, lamentam perdas e se desdobram para acudir pacientes acometidos pela doença, em Votuporanga. É uma guerra que, além do desgaste físico, prejudica a saúde mental dos profissionais.
É isso que mostra uma pesquisa realizada pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), que ouviu 1.829 profissionais da saúde, entre eles médicos, enfermeiros, agentes de saúde comunitária e fisioterapeutas desde abril do ano passado. Desse total, 80% relataram que tiveram algum problema de saúde mental do último ano para cá.
"Tem algo que a gente pode chamar, nos profissionais da linha frente, de adoecimento mental e tem outra coisa que a gente pode nomear como sofrimento emocional. Entre os profissionais da saúde convencionou-se dividir nesses dois entendimentos", disse Reinaldo Carvalho, professor do curso de Medicina da Unifev e coordenador do Programa de Saúde Mental de Votuporanga, ao jornal
A Cidade.
Impactos
Apesar do tempo lidando com pacientes com Covid-19, mais de dois terços (69%) dos profissionais ouvidos pela pesquisa da FGV disseram não se sentir preparados para lidar com a pandemia. A grande maioria, 87%, disse sentir medo e 67% ansiedade. Outros sentimentos relatados pelos profissionais foram cansaço (58%) e tristeza (50%).
"Quando estou falando transtorno [e adoecimento] mental, estou falando da depressão, da ansiedade, que viver essa situação de risco proporciona ao profissional de saúde. Quando eu falo do sofrimento emocional, estou falando desse medo de morte, de se contaminar e contaminar os familiares, do estresse, da síndrome depressiva, mas que não necessariamente a gente chamaria de depressão. Estou falando de angústia e incertezas. Isso também gera um sofrimento emocional para o profissional de saúde", explicou o professor.
Em abril, a pesquisa da FGV chegou à quarta etapa. A ideia do estudo é acompanhar as percepções dos profissionais da saúde em relação ao avanço da pandemia no país.
"O que a pesquisa mostra é que a situação deles piorou em termos emocionais e da própria saúde. Porque eles estão há um ano na ativa, sem parar, sem licença ou descanso, ao mesmo tempo que as condições materiais deles não melhoraram", disse uma das autoras do estudo, a pesquisadora da FGV Gabriela Lotta.
No caso de Votuporanga, a situação não é muito diferente. Isso porque os profissionais têm enfrentado situações extremas diariamente, dentro do contexto de incertezas que a pandemia trouxe sobre como tratar a doença.
"A gente não sabe quem é o inimigo. Você está lutando contra alguém que você não conhece. Não tem remédio [para Covid] e a gente não conhece o ciclo natural da doença ainda. Isso, por si só, é um fator para alterar o estado emocional dos profissionais de saúde. Imagina você todo dia ter que ir para um plantão sem saber se você vai se contaminar ou não. É muito angustiante", disse o professor Reinaldo Carvalho.
Relatos
O jornal
A Cidade também conversou com algumas profissionais de saúde que estão no "front" da luta contra o avanço da pandemia em Votuporanga. Elas falaram sobre o que tem enfrentando desde o ano passado na Santa Casa.
A enfermeira Fernanda Bueno Medeiros, por exemplo, foi infectada pelo coronavírus logo no início da pandemia. Com isso, acabou virando paciente em seu próprio local de trabalho. "Foi um momento de muita angústia, diante do medo do que poderia acontecer. Nosso principal medo sempre foi de passar para as pessoas que a gente ama", relatou a enfermeira Fernanda.
Outra enfermeira do hospital votuporanguense que conversou com a reportagem foi Tassiany Chiuchi Araújo. Ao falar sobre como é passar o dia "cara a cara" com o coronavírus, ela comentou sobre o que chamou de "exposição biológica" e "exposição emocional".
"A gente volta totalmente desestabilizado para casa. Muitas vezes a gente chora em casa para não chorar lá dentro. Mas a gente vai lutando com o que tem. E pedindo sempre para Deus nos ajudar", contou Tassiany.
Em Votuporanga, profissionais da saúde, pessoas que tiveram Covid e familiares que perderam alguém para a doença podem buscar atendimento psicológico e psiquiátrico no Caps (Centro de Atenção Psicossocial) Álcool e Drogas, no número: (17) 3423-6343. O centro fica na rua Tocantins, nº3809, no bairro Santa Eliza.