Lula e Bolsonaro
Na teoria, o ex-presidente Lula e o deputado Jair Messias Bolsonaro são antípodas. Um está no espectro ideológico da esquerda e outro no da direita. Na prática, a teoria é outra. Há muito mais em comum entre os dois candidatos à Presidência da República, que por ora são os mais bem situados nas pesquisas, do que pode imaginar a nossa vã filosofia. À sua maneira, ambos adotam um discurso sebastianista, vestindo eles mesmos a roupagem do Salvador da Pátria.
Abstraindo as condições históricas que não são possíveis de se repetir, pois o país e o mundo são outros, ambos pregam uma volta a um passado. O “eu era feliz e não sabia” está presente tanto na pregação de Lula, como na de Bolsonaro.
Um faz a elegia do seu governo, para vender a imagem de um período de prosperidade e de pleno emprego. O outro alimenta sentimentos nostálgicos em relação à era do “milagre econômico” do regime militar para provar que à época havia emprego, crescimento e segurança. Conscientemente, hiperbolizam esses dois períodos históricos e jogam para debaixo do tapete a herança maldita que deixaram para os governos posteriores.
A inviabilidade da utopia nostálgica que pregam salta aos olhos quando se analisa mais detidamente os dois momentos. O “milagre econômico” do regime militar sustentou-se em uma conjuntura internacional de petróleo a preços baixíssimos (à época o Brasil não era autossuficiente) e de elevado grau de liquidez internacional.
A crise do petróleo de 1973 levou ao fim do “milagre”, mas o excesso de oferta de petrodólares no mercado internacional financiou o crescimento verificado no governo do general Ernesto Geisel por meio da expansão do intervencionismo estatal na economia.
Em 1979 veio a nova crise do petróleo e já não havia mais financiamento externo a juros baixos. O Brasil entrou em colapso, com uma dívida externa inadministrável e uma inflação de 242,68% no último ano do governo do general João Batista Figueiredo. O “milagre econômico” desaguou no pesadelo da década perdida dos anos 80. É para esse mundo que Bolsonaro quer nos trazer de volta.
A instrumentalização e deturpação do passado para fins eleitorais também é uma arma de Lula, com a sua cantilena do “momento mágico” da economia em seus governos. Como o “milagre econômico” dos anos 70, a expansão do período Lula-Dilma foi financiada pelo “boom” das commodities e turbinada por uma nova onda de intervencionismo estatal.
Quando a bolha da commodities estourou, o desastre da “nova matriz econômica”, iniciada no segundo mandato de Lula, gerou a maior crise econômica da história do país. Ao final dos anos Lula-Dilma, a dívida interna bruta saltou para quase 70% do PIB, a economia recuou 8,2%, a inflação chegou a casa de dois dígitos, voltando a atormentar as famílias. Os juros, por sua vez, dispararam. O modelo de Lula revelou-se uma máquina de destruir empregos, gerando quatorze milhões de desempregados.
Tampouco foi diferente nos anos do lulopetismo. O blog “O E$pírito das Leis” de Bruno Carazza publicou “Desmistificando Bolsonaro” com gráficos e levantamentos que mostram o comportamento de Jair Bolsonaro nos seus 7 mandatos como deputado federal. A materia revela corporativismo, intervencionismo econômico e conservadorismo mostrando que Bolsonaro votou com o PT ao longo de todo o governo Lula.
“Interessante observar, também, que a parceria Bolsonaro-PT, enquanto existiu, versou justamente sobre temas econômicos – e numa direção que passa longe do discurso liberal adotado pelo presidenciável patriota recentemente. Compilando o texto das ementas dos projetos em que Bolsonaro e PT votaram igual entre 1999 e 2010, nota-se um predomínio de temas associados à Nova Matriz Econômica – visão intervencionista da economia levada a cabo pelo PT. Bolsonaro concordou com o PT nas votações de projetos que tratavam de concessões de benefícios para o setor privado, como incentivos tributários, parcelamentos de débitos, créditos orçamentários, fundos, financiamentos, subvenções, etc. Uma pauta bem distante de políticas econômicas horizontais e não intervencionistas, portanto.”, escreve Carazza.
Diz o site que “a lua de mel entre Bolsonaro e o PT degringola-se a partir do primeiro mandato de Dilma”. É possível que as relações sejam restabelecidas tacitamente, por meio de um pacto de não agressão entre Jair Bolsonaro e Lula durante o primeiro turno, com um atuando como cabo eleitoral do outro para que se encontrem no segundo turno.
Afinal, Bolsonaro é a direita que Lula gosta e Lula a esquerda que encanta Bolsonaro. Como diziam nossos avós, um é a cara do outro. Esculpida em escara.