Em seu “Primeiro Fausto”, Fernando Pessoa escreveu: Bebe-me, bebe-me, bom bebedor/ A vida é um dia e a morte um horror. O acidente da Rosa e Silva, neste fim de semana, é a melhor prova de que tinha razão. A morte é mesmo um horror. Mas o enredo, no mundo real, não teve nenhuma poesia. E foi injusto. Que o bom bebedor saiu andando, calmamente, como se nada tivesse acontecido. Sem nem se preocupar com as marcas da tragédia que deixou no chão. Restos de vidro, sangue, metal e lágrimas. Atrapalhando o tráfego.
Em toda parte, há diferenças nas penas aplicáveis a esse tipo de acidente. Quando se trate de “homicídio involuntário” ou “negligente”; e, mais grave, “homicídio por imprudência” ou “negligência grave”. As terminologias são quase sempre as mesmas, nos outros países. Há, também, fatores agravantes: a) Nível da imprudência; b) Estado do veículo; c) Ingestão de álcool pelo condutor; d) Se o veículo foi roubado. No primeiro caso, só uma pequena amostra, temos penas de até 4 meses de prisão (Dinamarca), até 3 anos (França, Bélgica, Holanda), até 5 anos (Alemanha, Espanha, Itália), até 10 anos (Estados Unidos, Inglaterra). Além de multa, de 5.000 euros até 500.000 dólares. No outro, penas bem mais pesadas.
Por aqui, seguimos essa tendência nos casos mais simples. Considerados “homicídio culposo”. E que estão, não no Código Penal, mas no Código Brasileiro de Trânsito. Com penas de 2 a 4 anos. Aumentadas de 1/3 quando não haja prestação de socorro. Já dirigir embriagado é crime autônomo, com pena de 6 meses a 3 anos. Penas só restritivas de direitos, bom lembrar. Como prestação de serviços comunitários. Ou cestas básicas. Longe da prisão.
E o que vai acontecer, neste caso, com o causador de tantas mortes?, eis a questão. É cedo para saber. Primeira hipótese é nada. Como se trata de um dependente químico, o argumento óbvio, a ser alegado pela defesa, é que se trata de um inimputável. Se der certo, com algum tempo voltará ao volante do seu carro. Deus nos proteja. A menos que o Poder Judiciário o tenha como plenamente capaz. Então será condenado. Naquelas penas do Código de Trânsito.
Mas também pode se considerar haver, no caso, dolo eventual. Afinal, o veículo das vítimas estava em baixa velocidade. E com sinal aberto, para ele. Enquanto o causador do acidente vinha em velocidade alucinada. E nem freou. Sem contar que Rivotril, maconha e álcool (segundo a imprensa) é um casamento ruim. Convertendo o caso em homicídio doloso. As penas, então, iriam de 6 a 20 anos. Multiplicado pelo número de mortos. Até agora, 4. Sim, o nascituro (feto) conta como um morto. No total, pois, 24 a 80 anos. Nessa hipótese mais gravosa, o responsável iria a júri popular. Fosse hoje, o julgamento, e o responsável sofreria pena máxima. Mas os anos passam. E melhor advogado, sabem os do ramo, é o dr. Tempo. Os jurados acabam ficando com dó. E essas penas podem ser baixas. Melhor esperar para ver.
Por fim, impossível não pensar nas tantas vidas destruídas em vão. Caminhos interrompidos. Ilusões perdidas. Sonhos desfeitos. Em seu “Rubáiyat”, Omar Kháyyám disse: Bebe um pouco de vinho/ Porque dormirás muito tempo/ Debaixo da terra. Agora, vimos que o mundo real anda longe da poesia. Que nele, e diferentemente do que pensava Kháyyám, quem vai dormir embaixo da terra, antes de sua hora, não é quem bebe. São as vítimas de quem bebe. O que é diferente. Muito diferente.