O mês de janeiro é sempre marcado por certa ansiedade e empolgação. É o início de um novo ano; um ciclo de doze meses totalmente inédito que quase invariavelmente utilizamos para tentar consertar certos hábitos ruins ou satisfazer nossas promessas para o futuro.
Aliás, “promessa” será uma palavra bastante importante para os brasileiros em 2018. Quatro anos após 2014, teremos nova chance de eleger representantes do quadro político brasileiro.
Mesmo para os padrões pouco ortodoxos do nosso peculiar regime democrático, seguramente 2018 será um ano inusitado. No último quadriênio, tivemos uma eleição presidencial de resultado apertado, a deflagração de operações policiais que expuseram esquemas robustos de corrupção de agentes públicos, um processo de impeachment longo e traumático para a comunidade política e o afrouxamento irrestrito de garantias pessoais em favor de um ainda pouco claro interesse geral da sociedade. Nem o mais ousado brasileiro em 2014 diria que, em 2018, Michel Temer seria o presidente do Brasil e que Jair Bolsonaro e Luciano Huck seriam possíveis candidatos presidenciáveis.
As eleições são vistas pela maior parte da população como o único momento em que o povo é chamado a participar do processo democrático de tomada de decisões políticas. Não por outro motivo que expressões como “festa da democracia” são usualmente utilizadas pelos candidatos para se referirem às eleições. Também são em anos de eleição que inúmeras campanhas publicitárias destacam o voto consciente como o momento de exercício pleno da cidadania.
A coligação destas concepções às turbulências políticas dos últimos quatro anos gera um ambiente de grande tensão para os brasileiros: é como se 2018 fosse o momento crítico, único e definitivo em que nós determinaremos, nas urnas, se o país continuará em crise eterna ou se deixará finalmente de ser o “país do futuro” para ser o “país do presente”.
Escrevo o artigo para dizer que esta conclusão está severamente equivocada. Embora o exercício de voto direto seja de inquestionável importância para a democracia representativa brasileira, seguramente este não é o único momento em que a população deve participar da tomada de decisões políticas.
Penso que minha opinião seria percebida com certa facilidade pelos antigos. No século II d.C., os cidadãos do império romano exerciam suas atividades políticas quase que diariamente em assembleias populares. Este ambiente não servia apenas para eleger representantes e magistrados. Nas assembleias, os romanos também discutiam problemas cotidianos de determinada comunidade, concebendo e assimilando soluções políticas e jurídicas de forma direta e contínua.
É bem verdade que são muitas as diferenças separam o brasileiro do século XXI do romano do século II. Tempo livre seguramente é uma delas. O romano do século II poderia se dedicar quase exclusivamente à atividade política, já que suas riquezas eram promovidas pelo trabalho escravo. O brasileiro do século XXI felizmente não convive em regime legal pautado na depreciação da dignidade humana e na escravidão, mas, por seu turno, precisa trabalhar 44 horas por semana para promover sua subsistência – sobrando pouco tempo para atividades políticas cotidianas.
O pouco tempo disponível à política não pode, entretanto, segregar nossa participação ao voto em urna eletrônica de quatro em quatro anos. Quando nos reservamos unicamente a este tipo efêmero de exercício democrático, cria-se uma casta de representantes que detêm com exclusividade o poder político, ambiente seguramente conveniente para o distanciamento dos interesses entre representante e representado e para a prática de corrupção.
Em outras palavras, o poder deixa de emanar do povo e passa a emanar dos representantes, que por ato contínuo não tardam a tomar decisões de acordo com seus interesses particulares.
Para evitar este distanciamento, é de suma importância que a comunidade se preocupe em criar canais de participação política direta. A internet e as redes sociais sem dúvida contribuem muito neste particular, permitindo que todos possam se expressar politicamente com maior fôlego e alcance. O potencial da rede, entretanto, ainda é pouco aproveitado pelas instituições públicas e pelos agentes políticos. Uma evolução neste sentido seria muito bem acolhida.
Não é somente nas eleições que exercemos plenamente nossos direitos de cidadão. A cidadania é e precisa ser exercida diariamente, com participação direta da população na tomada das decisões políticas, sejam elas simples ou complexas. É preciso solidarizar a atividade política; fazer com que ela seja comum a todos os brasileiros, não somente aos representantes eleitos. Que 2018 seja um ano de política, não só de eleições.