Na semana passada, precisamente na sexta-feira, estacionei meu carro numa das ruas de Votuporanga com os vidros abertos, ali bem perto da secretaria da Catedral. Não sei por que, mas quando deixamos os vidros das portas abertos nos parece que a segurança que temos deixa de existir. De repente se aproxima uma pessoa, creio que ela pudesse ter de 25 a 35 anos de idade, de bermuda simples, camiseta e uma mochila nas costas. Confesso que me preocupei naquele momento.
A gente não sabe quem são as pessoas que muitas vezes se aproximam de nós. Mas ele se chegou de uma forma serena e me disse: “O senhor pode me dar um dinheiro para eu comprar um cachorro quente”? Não cheguei a fazer outro raciocínio a não ser dizer a ele que tinha acabado de sair de casa e não estava com a carteira no bolso. Ele abaixou seu olhar serenamente e calmamente saiu nada me respondendo. Dirigiu-se para frente de uma casa de lanches. Fiquei observando pelo retrovisor do carro a sua trajetória. De lá me pareceu que ele fez a mesma pergunta a uma senhora, mas também não logrou êxito.
Em seguida locomoveu-se para o jardim da praça, exatamente passando frente à Catedral. Fiquei a pensar... que coisa horrível que eu fiz. A carteira está no meu bolso. A pessoa que eu neguei poderia estar com fome e eu não lhe dei o que não me faria falta. Fiquei olhando seu caminhar, mais me parecia alguém que tivesse perdido a crença nas pessoas. Que o mundo em que vive não lhe é compartilhado. Que as pessoas nunca se importam com os tropeços do semelhante. Confesso que fiz uma análise em mim mesmo e reconheci que tive uma atitude desumana e senti vergonha de mim mesmo. Nada me custava ter dado um pouco de dinheiro para uma pessoa que poderia estar, de fato, passando por maus momentos. Fiquei impaciente. Nunca me senti tão mal. Queria sair dali e procurá-lo, dar-lhe o dinheiro e pedir desculpa pelo meu ato de falta de generosidade. Acabei por julgar desumanamente uma criatura que veio me pedir ajuda para matar sua fome. Não podemos fazer isso de forma alguma. Não nos cabe julgamento de nenhuma forma. Às vezes digo aos meus alunos que os que mais erram neste país são aquelas pessoas que estão a serviço da Justiça. Como assim, muitos deles me perguntam? Eu lhes digo: porque julgam todos os dias. Entretanto, há que se considerar, é claro, os pressupomos da falácia da nossa legislação. Maioria das vezes a justiça é fruto da legislação.
Minha esposa ao sair do culto religioso que pratica diariamente percebeu que eu não estaria voltando para casa pela mesma trajetória de sempre. Por que você está indo por outro caminho, perguntou ela. Explico-te. Expliquei. Eu precisava encontrar aquele ser humano com fome para lhe dar o que eu lhe havia negado. Tirar da minha consciência o peso egoístico que eu sentia. Felizmente o encontrei. Parei o carro. Quando ele me viu começou a caminhar em minha direção. Até parece que ele tinha percebido que eu iria atendê-lo no pedido que me fizera há 30 minutos. Olhou nos meus olhos após receber o que precisava e me disse: Deus lhe pague. Quer agradecimento melhor que esse? Pense nisso. Que Deus tenha piedade de nossas falhas e nos proporcione oportunidades para corrigi-las.