Meninos e meninas, eu vi, eu fui. Não existia celular, mas a notícia se espalhou com rapidez: mataram um estudante! Pouco mais que um adolescente, de uniforme do Colégio de Aplicação da UEG (hoje UERJ), me mandei para o centro da cidade, com alguns colegas. A praça da Cinelândia começava a ficar cheia. No saguão da então Assembleia Legislativa do Estado da Guanabara, em cima de uma das mesas, o corpo ensanguentado de Edson Luís de Lima Souto, estudante de 18 anos, era velado. E vigiado, para que a PM, que o matara, não o sequestrasse. Ele levara um tiro quando participava de manifestação por melhoria das condições e da comida servida no precaríssimo restaurante Calabouço. A estudantada também cobrava “mais verbas para educação e menos canhão”. O que consegui fazer foi escrever numa folha de caderno, em letras trêmulas: “Ditadura mata”. No dia seguinte, uma multidão fez a pé o cortejo com o caixão de Edson, da Cinelândia até o São João Batista. Lá se vão 50 anos.
Meninas e meninos, nós vimos e fomos. Estava em Brasília e a notícia chegou rápida e devastadora: mataram a Marielle e o Anderson, também jovem, que dirigia o carro em que ela voltava para casa! Já sexagenário, teimando na esperança, volta e meia recuso-me a acreditar nessa atrocidade. Na quinta-feira, eu e o colega de bancada Glauber Braga pegamos o primeiro avião que conseguimos. Talvez rememorando inconscientemente a penosa jornada de meio século atrás, sugeri que fôssemos a pé do Santos Dumont até a Cinelândia. “Para colocar de vez os pés no chão e não desabar” – argumentei. Chegamos, com uma multidão que só crescia, antes dos corpos de Marielle e Anderson. Quando eles afinal foram deixados em nossas mãos para o adeus, a comoção foi geral. Subi até o Salão Nobre da Câmara Municipal, onde as famílias queriam uma despedida mais íntima dos seus amados, tão covardemente retirados do nosso convívio. Ali, entre lágrimas, soluços e preces, pude compartilhar os lamentos de mães, pais, irmãs, companheira(o)s: “por que, meu Deus? Eles só faziam o bem… Quem fez, quem tramou essa barbaridade?”.
Na volta à praça, encontrei o velho camarada Vladimir Palmeira, que nos liderava no enterro de Edson. Lembramos do meio século transcorrido. Deploramos um país que, mesmo livre do regime do arbítrio total, continua matando seus filhos pelo fato deles sonharem em fazer dessa vergonha uma Nação e contestarem os podres poderes.
Mas, apesar de tanta dor, havia um ambiente de irmandade ali que revelava que aquelas mortes não foram em vão. Os facínoras do futuro, os assassinos da utopia, ainda ocultos, não terão a última palavra. Em milhares ecoa a voz de Milton Nascimento, entoando os versos de Ronaldo Bastos: “Quem cala sobre teu corpo/ consente na tua morte (…) quem grita, vive contigo!”. Ressurgiremos.