Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
Alguns dizem que a ocasião faz o ladrão; outros dizem que a ocasião não faz, apenas revela o ladrão. Dizem outros que a necessidade é que faz o ladrão; entretanto, muita gente enfrenta seriíssimas necessidades sem sucumbir à tentação de apoderar-se do alheio. Às vezes pode ser reflexo de estímulos recebidos. Exemplo: um político contrata pessoas para trabalhar em seu gabinete, mas, na prática, os contratados não trabalham, e do salário acordado, o contratante fica com a maior parte – prática conhecida como rachadinha -, o contratado fica feliz porque recebe um dinheiro extra por um trabalho que não realiza e o contratante acumula dinheiro ilícito. Pois bem, é grande a probabilidade de que o filho desse político siga os passos do pai, posto que para isso recebeu estímulos. Dirá o filho que o dinheiro ilícito foi adquirido vendendo chocolate ou algo assim, e fica tudo certo, acaba por prevalecer a lógica do anzol: é preciso ser torto para ser certo, pois com anzol reto nada se pesca. E canalhice também costuma passar de geração para geração; quanto ao eleitor, continua fiel à própria passionalidade. Como diz a letra de uma velha – porém atualíssima – canção do Raul: “O que não chora não mama, quem não rouba é um imbecil...”
Mas, aqui estou em prelúdio sobre tema de domínio público, de conhecimento geral da nação. O que vou contar é uma história do Honorato, um sujeito endividado, sem emprego e sem perspectiva que, como tantos outros, viu-se equilibrando-se numa corda bamba dentro de um labirinto do qual não havia saída.
O fato ocorreu em um horário fronteiriço entre o sábado e o domingo – por volta da meia-noite. Honorato, movido pela necessidade extrema – o que explica porém não justifica -, invadiu uma residência, surpreendeu os cinco moradores na sala – que também era quarto e cozinha – e, arma em punho, anunciou o assalto. Trêmulos, os cinco membros da família – até mesmo as três crianças – encolheram-se no sofá e, seguindo à risca o que reza o manual do assaltado, evitaram movimentos bruscos e/ou argumentos desesperados. A família parecia ter vasta experiência em ser assaltada.
“Por favor, não atire”, disse a senhora mais idosa do quinteto, uma com aparência de octogenária. Mas foi só o que disse, e de modo discretíssimo, um murmúrio apenas.
“Colaborem e ninguém morrerá, mas, se alguém gritar, faço dormir.”
“O senhor vai contar historinha?”, perguntou, inocentemente, uma das crianças.
“Explique à criança que vou fazer dormir para sempre”, ordenou o Honorato, brandindo ameaçadoramente a arma.
“Fique quietinho, filho”, disse a mulher que aparentava uns trinta anos, e abraçada ao filho, arrematou, “o senhor pode levar o que quiser, temos o sofá, aquele colchão ali do canto, o fogão velho e a geladeira.”
“Tem alguma coisa dentro da geladeira?”, perguntou o Honorato.
“Só água”, respondeu a senhora octogenária.
O Honorato guardou a arma e enxugou disfarçadamente uma lágrima que lhe corria pela face. Retirou duas moedas do bolso, entregou-as à mãe das crianças e disse:
“Sinto muito, é tudo o que tenho.”
O Honorato encaminhou-se ao distrito policial, entregou-se e contou toda a história. Quando o policial do plantão me narrou o ocorrido, pensei em Lucas 21.3-4, quando Jesus observa os ricos lançando ofertas, e diz sobre a oferta de duas pequenas moedas feita pela viúva pobre: “Verdadeiramente, vos digo que esta viúva pobre deu mais do que todos. Porque todos estes deram como oferta daquilo que lhes sobrava; esta, porém, da sua pobreza, deu tudo o que possuía; todo o seu sustento.”