Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
As meninas – Calíope, Clio, Érato, Euterpe, Melpômene, Polímnia, Talia, Terpsícore e Urânia – decidiram tirar um merecido descanso de dois dias. As nove estavam confortavelmente instaladas em uma nuvem ampla e aconchegante, uma nuvem alva como neve, macia como paina e leve como pluma.
Foram dois dias de absoluta esterilidade artística para a humanidade. Quarenta e oito horas em que humano algum compôs sequer uma música; ninguém cantou ou dançou; nenhum poema foi escrito e ninguém fitou as estrelas; ninguém esculpiu ou pintou e não houve nenhuma declaração de amor.
As nove musas foram aqui relacionadas em ordem alfabética. Elas são igualmente importantes.
“Talvez não seja este o momento mais apropriado para nossa folga”, disse Clio, no início da vigésima quinta hora da reunião, “a Terra está passando por dias difíceis, muitas pessoas estão perdendo o entusiasmo pelo viver.”
“Concordo parcialmente”, disse Melpômene, “muitos estão, de fato, perdendo o entusiasmo, por outro lado, talvez assim passem a dar mais valor às artes e à literatura.”
“É mesmo muito triste!”, exclamou Terpsícore, “é de perder o entusiasmo ter de viver sem a dança.”
“Você diz isso porque é a musa da dança”, disse Euterpe, “o pior de tudo é ter de viver sem a música.”
“E você diz isso porque é a musa da música, Euterpe”, replicou Terpsícore.
“Acalmem-se, meninas”, interveio Polímnia em tom apaziguador, “temos mais um dia de folga, vamos desfrutá-lo com leveza.”
Concordo com Polímnia”, disse Calíope, “resta apenas um dia de ciclo seco criativo aos humanos, depois disso, com nosso auxílio, eles voltarão a criar.”
“O que estão achando da nuvem que preparei para nosso encontro, meninas?”, perguntou Urânia.
“Confortabilíssima”, disse Érato, “o lugar ideal para nosso merecido lazer.”
Talia – a musa da Comédia -, que até então permanecera calada, pediu que as amigas ficassem atentas a Fábio Bernardo.
“Quem é Fábio Bernardo?” perguntaram uníssonas as outras meninas.
“Um humano cômico”, respondeu Talia, “vejam, lá está ele conversando com um amigo.”
Todas as musas ficaram atentas.
“Eu sei que vou pro céu”, dizia Fábio Bernardo ao amigo, “mas, os outros vão para o inferno, todos os outros, inclusive você.”
“Mas... isso é uma loucura, o auge, o pináculo, o apogeu do egoísmo”, disse Melpômene, “ele está sob efeito de algum tipo de droga?”
“Não, ele é assim mesmo”, respondeu Talia, “continuem ouvindo.”
“O problema é que as pessoas vivem na parte rasa da piscina”, continuou Fábio Bernardo, “eles são idiotas, eu sou a exceção da regra, vivo em águas profundas e chego ao fundo das águas profundas.”
“É um megalomaníaco!”, exclamou Polímnia.
“Antes que alguém pergunte, vou logo esclarecendo que não estou influenciando Fábio Bernardo”, disse Talia, “ele é comediante por conta própria, mas em uma coisa está coberto de razão, olhem bem e verão que ele chega mesmo ao fundo.”
Todas as musas olharam e riram. Fábio Bernardo agitava-se em seu pires...
*Antonio Rocha Bonfim é romancista, contista, poeta, compositor, letrista, intérprete e colunista deste jornal