Esta é uma das muitas estórias acontecidas nos sertões do noroeste paulista em plena explosão do período cafeeiro. Fazendas produtoras eram responsáveis por receber gente do Brasil e dos estrangeiros, formando assim um caldeirão de conhecimentos. Onde a vida e os costumes se interagiam. Onde os casos de amor se desenrolavam e, muitas vezes, passavam pra história como um fato triste, como o acontecido lá pros lados da vila Rui Barbosa, hoje Ruilândia, distrito de Mirassol, nos idos de 1938.
Esse fato me foi passado pelo amigo João Brazolim, leitor desse espaço e antigo morador do lugar.
A lua alumiava timidamente a paisagem enegrecida pelo adiantado da hora. Para José Diogo, ou Dioguinho da sanfona, como era conhecido, tanto fazia. Poderia ser a hora que fosse, chegar à casa já não lhe causava prazer, mas, sim, sofrimento. Por isso tinha ficado até mais tarde no vilarejo, onde tomou alguns “rabos de galo” com os amigos para aliviar a dor que teimava em doer.
Ninguém sabia da sua triste história. Não tinha coragem de contar. Quando perguntavam por Ana, a italianinha, inventava uma desculpa qualquer. Só ele sabia a verdade e o quanto ela fora cruel, fugindo com outro.
O cavalo que vinha em marcha acelerada freou bruscamente diante da porteira fechada e, imediatamente, colou seu corpo junto dela para que o cavaleiro pudesse abri-la. Num gesto mecânico, estendeu o braço, alcançou o trinco e em instante o ranger característico se fez no ar. Leu na placa de entrada da propriedade: Sítio Santa Ana. De santa não tem nada! — resmungou. E blasfemou em seguida — Ordinária!!
Passou beirando o varal onde tinha algumas peças estendidas havia dias. Dentre elas, a blusa vermelha que ela usou no último arrasta-pé na casa do seu padrinho de crisma. Não pôde deixar de sentir o perfume inebriante exalado da roupa ao sereno. Sentiu uma pontada no peito.
Depois de desarrear o baio, dar de “cumê” e jogar água no lombo, com muito custo, entrou na casa escura. Acendeu o lampião. Foi até a sala, sentou no banco de madeira, pegou a sanfona no colo. Havia dias não tocava. Bem que tentou arrancar uma nota, não conseguiu. Deixou-a do lado. Nem se importou em ver a casa naquele estado de abandono. Olhou mais de uma vez para a cartucheira dependurada na parede da sala.
Tinha tantas saudades da mulher amada que pensou em dormir só para sonhar com ela. Só em sonhos te vejo, pensou. Mulher cruel e ingrata! — disse, olhando para o retrato sobre a mesa.
Se alembra como se fosse hoje de quando a conheceu. Estava tocando num baile, quando aqueles grandes olhos azuis sonhadores se cruzaram com os dele. Num instante, se enamoraram. Meses depois se casaram, para em menos de um ano acabar.
Havia perdido o gosto em tudo. Pela vida, principalmente. Novo olhar de raspão para a arma dependurada na parede.
Ao longe, o sino da igrejinha da vila bateu quatro horas. Antes de o dia amanhecer, tudo parecia normal. Só parecia. Ninguém ouviu ecoar um tiro na madrugada fria. Segundo Brazolim, nunca mais teve festa de São João no sítio Santa Ana.