Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
O casamento foi realizado no segundo sábado de um maio tranquilo. A igrejinha estava enfeitada com flores e os noivos demonstravam toda a felicidade que de fato sentiam. Eurico Lírio e Hilda Rosa formavam um belo casal; até mesmo os nomes – Lírio e Rosa – eram uma promessa de vida florida.
Eurico Lírio – Rico, para os amigos – era o pescador mais afamado do lugar; não tinha dinheiro, era Rico de simpatia, de amigos e de retidão de caráter. Hilda Rosa era a moça mais bela de toda a região, além de ser a professora que ensinava os filhos de pescadores a ler e escrever e realizar as quatro operações fundamentais. Comentava-se pelo povoado que ambos haviam tirado a sorte grande com o casamento.
O jovem casal – ele, vinte anos de idade, ela, dezoito – foi morar em um antigo casarão do povoado. Costuma-se chamar lua de mel à viagem que se realiza no período pós-casamento, Eurico e Hilda não viajaram. Todo período imediatamente posterior ao casamento, com ou sem viagem, também é classificado como lua de mel. No que diz respeito a Rico e Hilda, viviam tão harmoniosamente que o povoado era unânime em afirmar: “A lua de mel desse casal será eterna.”
De fato, Lírio e Rosa caminhavam de mãos dadas à beira-mar nas manhãs ensolaradas e se abraçavam sob a luz do luar com a mesma ternura. E assim viveram durante seis belos e amorosos anos. O casal iniciava o sétimo ano de felicíssima união quando, bruscamente, a tragédia veio transformar o mel em fel.
Numa manhã limpa em que uma brisa fazia as flores bailarem nos pequenos jardins frontais e laterais das residências, os pescadores entoavam cantos enquanto preparavam-se para o exercício do ofício. E foi justamente naquela manhã prateada que prometia um entardecer dourado que um vento súbito e titânico virou o barco de Eurico. O corpo de Rico não foi encontrado. Os amigos de pescaria diziam que Rico vivera do mar e no mar morrera; Na tentativa de aplacar a dor da perda, alguns afirmavam que, como diz a letra da canção, é doce morrer no mar.
Hilda Rosa, por sua vez, negou-se a acreditar na morte do amado, continuou morando no antigo casarão e cultivando o sonho de que um dia o esposo chegaria para encher a casa com seu riso franco e fácil, abraçá-la e proferir doces palavras de amor. Passaram-se mais de três décadas até que, em uma noite silenciosa e morna, soou um estranho barulho no sótão do casarão, ao que Rosa não deu importância.
O barulho no sótão prosseguiu até que, decorridos alguns meses, em uma noite com ares de mistério, Hilda Rosa, movida pela curiosidade, subiu em uma escada e afastou cuidadosamente a portinhola do forro, deparou-se então com dois olhos de brilho felino a fitá-la na escuridão. Rosa sorriu e reposicionou a portinhola no devido lugar. É bom ter gatos por companhia, pensou. E voltou a dormir.
Hilda conviveu com o barulho no sótão por cinco anos. Uma manhã, quando estava à mesa do café, ouviu um barulho ensurdecedor. Parte do forro ruiu e um corpo desceu e caiu sentado em uma cadeira bem em frente à Rosa que, com gestos calmos, terminou de passar manteiga no pão que tinha nas mãos, depositou o pão sobre um guardanapo, sorriu e disse:
“Vou providenciar um café reforçado pra você, mas, antes, precisa tomar um banho, vou buscar uma toalha limpa.”
Quando Hilda Rosa retornou com a toalha, não encontrou ninguém à mesa.
Alguns moradores juraram ter visto, naquela manhã, um leopardo correndo em direção ao mar, embora não houvesse leopardo no lugar. Não se explica mistérios!