Cosmorama representa para ele o mesmo que Itabira para nosso poeta maior, Carlos Drummond de Andrade. “É só um retrato na parede, mas como dói”. Na verdade, seu local de nascimento foi no “Bársamo”. Seu pai, assim que o menino nasceu, mudou-se com a família para Cosmorama. Morando nos arrabaldes da vila e tendo que trabalhar nas fazendas de café como “birolo” — atualmente, e em desuso, boia fria.
O pai tudo fazia para manter a prole que só aumentava. A mãe, além dos afazeres domésticos, lavava e passava roupas para fora para auxiliar no final do mês. À noite, depois da lida, para aliviar o cansaço, sentava com a filharada em torno da mesa da sala para ouvir a Rádio Nacional de São Paulo, o Programa Edgard de Souza.
Certo dia, o pai caiu doente e não se levantou mais. A agonia durou pouco. Na volta do campo santo, depois do sepultamento, sentiu um arrepio pelo corpo ao constatar que era o filho mais velho. Agora seria o chefe da casa. Era menino ainda para tamanha responsabilidade. Mas o que não tinha remédio remediado estava. Teria que assumir o leme, ou a embarcação poderia afundar. Como um marinheiro que luta bravamente na tempestade, ele também lutava pedindo forças aos céus para suportar tamanha agrura.
Trabalhou nas casas do comércio. Entre elas, uma padaria onde o dono entendia suas dores. Esperava ansioso os finais de semana chegarem, para ir ao footing encontrar-se com sua primeira paixão adolescente.
Quando não estava trabalhando nas lavouras nos arredores da cidade, passava o tempo lendo antigas revistas que comprava de segunda mão na banca da praça. As publicações eram mensais. Deliciava-se com o agente secreto Jaques Douglas. Iniciou, assim, seu gosto pela leitura e não parou mais até chegar aos livros. Esses, sim, foram arrebatadores.
O agora rapazinho sonhava voar mais alto. Numa noite, ao sair do circo do Pequito, quando o palhaço anunciou que a próxima praça seria Rio Preto, teve uma visão. Também ele iria para cidade grande em busca de dias melhores. Fazendo o caminho inverso do pai.
Por mais de uma semana aquela ideia ficou martelando em sua cabeça, até que finalmente resolveu partir. Deixaria para trás a mãe e os irmãos, com a incumbência de todo mês enviar dinheiro para casa. “Vai, filho meu, semeie letras em terras férteis. E que as árvores em forma de livros deem frutos de sabedoria para sua alegria e glória”, disse a mãe, ao se despedir.
Aquela manhã de final de outono marcaria de forma indelével sua trajetória de vida. A jardineira deu a partida, partindo também seu coração. Num último olhar, avistou a torre da matriz. Tentou fechar os olhos, não conseguiu. Estavam transbordando em lágrimas.
Em meio a muitos tropeços e infindáveis acertos, o rapazinho cresceu, tornou-se homem, pai e marido. Não se esqueceu nunca de suas raízes lá da sua Cosmorama de antanho, como um velho retrato na parede. Júlio Cesar, imperador romano em 47aC, disse: veni, vidi, vici. A exemplo do imperador, você veio, viu e venceu, Antônio Arantes Neto. Ou, simplesmente, Lelé Arantes!