Sou grato a todos que, de forma indelével, marcaram para sempre minha vida e forjaram minha transformação. Sou um dos muitos milhares de caboclos que, no grande êxodo rural, deixou a roça para vir morar na cidade. Aqui chegando, fui acolhido pela Polícia Militar. E uma das pessoas a quem tenho gratidão, até porque foi meu primeiro instrutor no curso de formação de soldado, sargento Wilson Stéfano, de saudosa memória. Durante quase um ano, aquele capiau recém-chegado do campo foi moldado para enfrentar as cruezas das ruas, sob suas orientações. Nas aulas, ele gostava de citar em latim: “Dura lex, sed lex” A lei é dura, mas é a lei. Tem que ser cumprida! Em outros momentos, nos orientava a lidar com pessoas que faziam uso abusivo do álcool. Dizia ele que do bêbado a gente não ganha nunca. Se você bater, vão dizer que bateu num bêbado. Se apanhar, apanhou de um bêbado. Nunca esqueci seus ensinamentos. Procurei sempre tratar a todos com urbanidade e sem distinção de cor, raça ou credo.
E, por falar em bêbado, recordo-me de duas historiazinhas que já vão longe no tempo.
Manhã de sábado, estava eu de plantão na fiscalização do trânsito em frente à rodoviária de Rio Preto, quando vi vir em minha direção um senhor que, pelo andar de “cercar frango”, estava bastante alterado. O excesso de álcool no sangue estava impregnado de tal forma que era possível sentir o odor à distância. Mudei de calçada para evita-lo. Quando percebeu que o evitei, atravessou a rua, quase foi atropelado e ainda gritou: “Se eu for atropelado, a culpa é sua, seu guarda!” Não tive alternativa. Parei e o esperei. Cambaleando e se apoiando nos carros estacionados, me disse que estava com um problema. Sua “chapa” – prótese dentária – tinha quebrado e o dentista de uma clínica ali próximo se negava a consertá-la e que eu deveria leva-la até o consultório. Dito isso, introduziu o indicador e o polegar na boca, arrancando de uma só vez o par de dentaduras. Vou livrar o leitor dos detalhes da situação em que se encontrava a bendita que há muito não sabia o que era uma escovação. Ao ver a cena, senti forte contração no estômago. Corri para trás de um veículo estacionado e descomi o café da manhã. O desinfeliz, ao ver minha situação constrangedora, caiu na gargalhada!
Início dos anos 1980, o cruzamento das ruas Bernardino de Campos e Siqueira Campos era lugar de encontro do que se convencionou chamar de “marreteiros” – corretores de veículos. Ali se deu início à “Pedra” e, muito tempo depois, transferida para o local onde se encontra até hoje, embaixo do viaduto Jordão Reis. Naquela época, os cinemas funcionavam a plenos vapores. Não havia a concorrência dos shoppings. À noite, o Centro era muito movimentado. Estava eu de plantão no referido cruzamento, quando vi um senhor bastante debilitado pelo uso da bebida e aparentando passar das oito décadas aproximar-se de mim. Nesse momento, termina a sessão do Cine Rio Preto. Pequena multidão toma conta da calçada. E o bêbado ali, só assuntando. Em dado momento, passa uma linda jovem de minissaia desfilando um belo par de pernas. Contemplou o monumento ambulante, depois olhou pra mim, desejando minha aprovação. Fiquei em silêncio, claro. De repente, ele gritou em alto e bom som: “Seu guarda, já que Deus tirou minha força, peça pra Ele tirar também o desejo!”
É. O sargento Stéfano tinha razão, com bêbado a gente não ganha nunca!