Graziele Delgado e Evandro Valereto (Foto: Arquivo Pessoal/ A Cidade)
Olá, querido(a) leitor(a)! Na semana passada a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais) publicou a 6ª edição do Raio X do investidor: uma pesquisa que mostra alguns números significativos sobre o brasileiro no mundo dos investimentos. Entre tantos pontos importantes que chamaram a atenção, um deles não passou despercebido: apenas 1% da população brasileira tem conhecimento sobre os índices econômicos e sua relação com os investimentos. Por isso, traremos algumas neswletters explicando algumas dessas medidas que deveriam ser de conhecimento básico de todos.
Vamos começar por ela: a temida inflação. Temos uma longa herança e muitos traumas relacionados a esse fantasma, mas a verdade é que poucas pessoas conhecem realmente o que é e como funciona essa medida econômica, especialmente pela quantidade de informações equivocadas que são publicadas e multiplicadas por aí. Superficialmente, as pessoas entendem a inflação como um aumento de preços, mas neste artigo queremos ir além disso: vamos explicar quais fatores levam à ela e porque é popularmente conhecida como “imposto dos pobres” entre os especialistas.
O primeiro mito que queremos comentar é sobre a causa da inflação: na maioria das vezes que ouvimos sobre o tema – especialmente na grande mídia – temos a impressão de que os preços sobem por causa da má fé dos comerciantes e donos de empresas, que querem “se aproveitar” para ganhar mais. Isso não é verdade: a variação de preços vai ocorrer todas as vezes que houver desequilíbrio entre oferta (produtores e empresas) e demanda (consumidores), e isso ocorre pelos mais diversos motivos – inclusive naturais. Um fenômeno natural que gera inflação de curto prazo, por exemplo, são as geadas ou a seca, que acaba prejudicando plantações e uma série de produtos ficam mais escassos. Neste caso, essa variação de preço seria algo temporário, enquanto durassem as secas ou os produtores conseguissem suprir a demanda. Portanto, inflação de curto prazo é algo normal na economia.
O problema começa quando ela se torna constante, o que ocorre por causa da interferência do governo na oferta monetária. O valor do dinheiro funciona da mesma forma: oferta e demanda. Se há liberação de dinheiro na economia (e isso ocorre de muitas formas) sem que haja aumento de produtividade, você tem mais dinheiro no sistema, comprando a mesma quantidade de produtos e serviços. Portanto: o preço sobe. Todas as vezes que há aumento de salário para uma classe específica, há inflação – e ela não ocorre de forma igual para todas as pessoas dessa economia. Outro instrumento usado para “liberar dinheiro” na economia é a própria taxa Selic: quando está baixa, há um aquecimento da economia e mais empresas e pessoas consumindo, já que o crédito está mais acessível. Porém, no tempo, isso gera inflação, e a taxa Selic precisa subir para frear o consumo e equilibrar as coisas.
O momento que estamos passando agora é de muito desequilíbrio: ainda estamos passando pelos efeitos da pandemia, que chegou a zerar a produção de muitos produtos e serviços, e ainda não conseguimos retomar ao que era antes. Além disso, para proteger a economia de um colapso, os governos de muitos países liberaram muito dinheiro, o que não aconteceu só no Brasil. Portanto, tivemos desequilíbrio dos dois lados da balança: ao mesmo tempo, mais dinheiro liberado na economia e menos oferta de produtos e serviços (sim, isso já era esperado pelo que aconteceu na pandemia, mas muitas decisões atuais só tem piorado o problema, ao invés de resolvê-lo). Junte esse cenário ao aumento de impostos e irresponsabilidade fiscal e estamos diante de uma bomba econômica (o que é assunto para outro dia).
E por que a inflação é o imposto dos mais pobres? Porque são as classes menos favorecidas que pagam essa conta. Um rico não deixa de comprar carne ou leite porque houve aumento de R$1,00, mas esse valor determina se um pobre consegue ter esses alimento na mesa. A classe mais pobre é quem tem menos possibilidades de se proteger da inflação, e são os mais afetados por ela.
A inflação molda nosso comportamento financeiro: se eu sei que o dinheiro vale mais hoje do que amanhã, para que poupar? Sem poupança, não há construção de riqueza: é por meio de capital que sobra na economia que as empresas são abertas, crescem, expandem e, além de impactar os consumidores com seus produtos e serviços, geram empregos, pagam impostos e ajudam a economia a girar. Ou seja, a inflação estimula o consumo, pois não vale à pena guardar dinheiro se ele vale cada vez menos, e com menos dinheiro guardado, temos menos condição de criar mais riqueza. E esse vira o looping do caos econômico.
Só para efeito de comparação, desde 1994, quando o Real foi implantado, a inflação foi de 653% até hoje. E, obviamente, os salários não acompanharam este aumento absurdo. Isso significa que cada vez mais, temos acesso a menos. Cada vez mais, compramos menos.
O que resolveria o problema? Em primeiro lugar, menos interferência na oferta monetária: tentar liberar crédito à força em um período imflacionário é uma sentença de morte para os próximos anos. Em segundo lugar: ter menos barreiras para a contrução de riqueza, ou seja, para o empreendedorismo. Abrir uma empresa – e mantê-la de pé – é tão complexo no Brasil que as pessoas pensam muito para fazê-lo. Mesmo aqueles que já possuem empresas, preferem não expandir e não crescer para não correr o risco – e não atrapalhar significa ter leis e regras que jogam a favor do empreendedorismo (o que não é nossa realidade atual). Um último ponto seria a responsabilidade fiscal: saúde financeira significa gastar menos do que ganha: isso funciona na sua casa, na sua cidade, no seu estado e no país como um todo. Governos que não se preocupam em gastar menos e estão sempre pensando em como podem arrecadar mais, estão cavando a própria cova da economia de seu país: é só questão de tempo.
Portanto, entenda: inflação é sobre choque de oferta e demanda. Não é culpa do “empresário malvadão”, nem do produtor agrícola e, muito menos, um fenômeno imparável e com vida própria: tem solução, mas ela não é indolor (e é também pouco popular, o que dificulta ainda mais). Desconfie de toda proposta de “distribuir mais” quando não há fundos para isso. No final das contas, será tirado de você mesmo: o “grátis” não existe. Tenha uma excelente semana, querido(a) leitor(a).