A janela do quarto da casa de colônia em que eu morava abria-se para um pomar. Ao abri-la pela manhã, deparava-me com pés de jabuticabas sabará, abacateiros, tangerina poncãs, pinhas, goiabas da branca e da vermelha, laranja Ilhôa, limão galego e limão cravo, bananeiras de várias espécies e a hoje quase extinta laranja baiana. Lembro-me que os pés de laranjas baianas ficavam carregados de frutos e o que nos chamava a atenção eram os “imbigos” enormes em cada fruta.
No meu quintal, além dos pés de frutas eu plantei junto a minha janela um pé de Cedro. A pequena muda eu encontrei perto a uma biquinha d’água no meio do cafezal, ao encontrá-la, imediatamente me lembrei da música Pé de Cedro composta por Goiá e Zacarias Mourão que na época fazia muito sucesso em todo o Brasil.
A música conta a história de alguém que acha no meio do mato um pé de cedro e o planta no seu quintal. Um dia parte para longe. Vinte anos são passados e ele volta abatido e arrependido para o antigo lar. Encontra a árvore que cresceu com uma força rara e sente que ela é menor que a saudade que os separa. A terra ficou molhada do pranto que derramou. Que saudade pé de cedro, do tempo que eu te plantei.
A história da melodia se mistura com a minha história. Quando em 1999, o escritor e jornalista Mário Soler escreveu o livro: Jocelino Soares: Vida, obra e crítica (Editora Rio-Pretense) ele narra e ilustra com uma foto minha junto ao pé de Cedro.
Um dia eu também parti para longe, me aventurei e também sofri. Voltei a encontrá-lo não vinte, mas, trinta anos depois para fazer a foto em companhia do fotografo Jorge Etecheber que com a sua sensibilidade percebeu a minha emoção e a minha ternura para com a agora frondosa árvore. O encontro foi marcado pela emoção e ternura para com o pé de cedro e a volta ao local onde por muitos anos vivi Foram momentos ternos e doces, para mim, o mais puro encantamento.
Nesse pé de cedro, bem antes do sol nascer o quintal era tomado por um som mágico vindo dos seus galhos. Era o doce cantar do Tiê.
O pequeno pássaro ficava ali a cantar por horas a fio, cumprindo os desígnios de uma força maior que o impulsionava a tão belo canto. Eu, que ficava embevecido com o conserto solitário de uma criaturinha anônima, muitas vezes me vi voando nas asas do Tiê para longe daquele lugar.
Nas asas do Tiê quantas vezes o menino e aprendiz de artista, sonhou voar para além dos horizontes daquelas cercanias. Tinha desejo de conhecer novas terras, novas gentes, nova vida. Poder mostrar sua obra para outros povos.
Como tudo na vida são perdas e ganhos. Ganhei o direto de partir, mas, perdi o direto da sombra amiga do pé de cedro, do cantar do Tiê e das frutas do meu quintal.
Eu sabia que ao partir, o imenso manto que cobre o tempo e a eternidade cobriria também para sempre o meu passado.
Às vezes pela manhã, quando abro a minha janela, tenho a nítida sensação que vou ver as plantas frutíferas do meu antigo quintal e ouvir saudoso o cantar mágico do Tiê nos galhos do pé de cedro, mas me engano. O espaço que nos separa já vai longe... Muito longe. Às vezes tenho um desejo enorme de ir embora para o passado onde encontraria de novo com as coisas que marcaram a minha infância.
O menino aprendiz de artista tornou-se homem maduro, sua arte evoluiu e novas formas de se expressar surgiram, contudo sua alma de criança ainda alça vôos sentindo a brisa suave nas asas do Tiê.