Penso que os primeiros habitantes do nosso planeta, ainda vivendo em cavernas, quando viam pássaros, ansiavam por imitá-los. Principalmente quando animais ferozes se aproximavam em campo aberto e não tinham para onde correr. Viam como pássaros se esquivavam dos seus predadores voando e livrando-se do momento fatal.
Lembro-me de, quando criança, quando chegávamos ao alto de uma colina, o vento soprando contra, abríamos os braços. Vinha um desejo enorme de alçar voos, nem que fosse por alguns segundos. Claro, nunca conseguimos, para nossa decepção.
Certa feita, eu e o “Viroto”, apelido do Paulinho do Cassiano — por sofrer de estrabismo, os meninos daquela época não perdoavam: sem que soubéssemos, praticávamos o tal bullyng —, pegamos o único e surrado guarda-chuvas em casa e fomos para o alto da colina. Nossa intenção era colocá-lo aberto contra o vento e flanar como os passadinhos à nossa volta.
Bem, podem imaginar em como ficou o pobre. Na primeira tentativa, o vento assoprava forte. Quando abrimos, envergou as varetas para trás, encerrando ali a carreira de futuros pilotos de guarda-chuvas. Para que meus pais não vissem o estrago, o escondemos numa moita de capim gordura na beira do brejo. Ninguém nunca o achou. Deve de estar lá até hoje.
As casas da colônia em que morávamos ficavam na rota dos aviões que pousavam no aeroporto em Rio Preto. Todos os dias, precisamente às 9h40, sobrevoava sobre nossas cabeças Douglas DC3, da Real Transportes Aéreos. Como eu amava aqueles pássaros de lata! Tinha desejo de ver um bem de pertinho. Quando passavam, eu torcia para que um deles caísse para que eu pudesse tocá-lo. Na minha santa inocência, não imaginava que com a queda poderia haver vítimas.
Nos finais de tarde, toda meninada ia jogar pelada no campo de futebol em frente à colônia. Por aquela época, um avião teco-teco costumava sobrevoar em baixa altitude. Parecia que o piloto ia pousar. A molecada entrava em delírio. Pedíamos que aterrissasse. Víamos o piloto sorrindo e, carinhosamente, acenava para aqueles caipiras que nunca tinham visto um avião de perto. Assim foram muitas vezes. Ele passava, acenava e nós gritávamos.
Era véspera de Natal. Sabíamos que não ganharíamos presentes. Aquele velho de barbas brancas conduzindo seu trenó puxado por renas não desceria em nossas casas. Ele fazia pouco caso de nós, meninos pobres. Nossas casas eram velhas taperas. Imagina se ele ia perder tempo com meninos descalços, pensávamos.
Estávamos “intertidu” jogando futebol, quando ouvimos, ao longe, ronco de motor. Identificamos como sendo do “nosso” amigo aviador. Como sempre, ele passou rasante. Foi a certa distância. Fez a volta e, para nosso espanto, estava cada vez mais baixo. Tínhamos sensação de que iria pousar e pousou. Saímos em desabalada carreira, nos escondendo nas moitas de capim margoso. O homem saiu da aeronave pedindo que nos aproximássemos. Tinha surpresa para nós. Para nosso encanto e deleite, aquele Natal não ficaríamos sem presentes. Aliás, ganhamos dois: pudemos ver de perto o teco-teco e levamos para distribuir com irmãos menores deliciosos bombons.
Nossos presentes não vieram a bordo de trenó, e, sim, a bordo de um avião. Quer coisa mais chique?, pensávamos.