Os primeiros meses do ano eram chamados pelos caboclos como a estação das águas. Os temporais criavam dificuldades na lida do dia a dia. Muito antes de o sol nascer, nas primeiras horas da madrugada o retireiro se levantava para a ordenha no curral. Embaixo do aguaceiro o caboclo abria a porteira para dar passagem às vacas que esperavam ansiosas para alimentar os seus filhotes, mas, antes, era retirada boa parte do precioso líquido e colocada em latões que deixados á beira da estrada, eram apanhados pelo caminhão do leite e entregue na cidade.
O ritual da ordenha em meio ao lamaçal trazia uma série de transtornos. Os animais irrequietos não aceitavam a “pêia” que era uma pequena corda prendendo ambas as pernas. O bezerro trazido e amarrado junto da mãe aguardava o momento de se abastecer do rico alimento. O gesto de amarrar e desamarrar cada animal eram repetidos inúmeras vezes com o sol longe do horizonte beirando às nove da manhã.
As estradas geralmente mal conservadas ficavam intransitáveis nesses meses, no entanto, o homem da roça tudo suportava sem ter para quem reclamar, esperando pelo outono, trazendo o fim das águas.
Quando alguém ficava doente e todos os meios possíveis tinham sidos usados sem sucesso lá mesmo na roça, era preciso ir á cidade procurar um “farmacetico”, mas, ir como se a jardineira que passava apenas uma vez ao dia não transitava devido ao lamaçal? Nessas horas morar na roça era muito dificultoso. Mas o caboclo persistia e, dizia consigo mesmo: tempos melhores virão!
Essas e outras dificuldades eram aplacadas com a aproximação do sábado, pois, o matuto sabia que em alguma fazenda das redondezas haveria um baile de sanfona, era o momento aguardado para se “declarar” à sua amada. Esse termo era usado para dizer que iria pedir a moça em namoro.
No sábado à tarde, depois de ter cumprido com todas as obrigações e deveres, colocava sobre o fogão de taipas a água para aquecer. Após fazer a barba, se banhar no chuveiro Tiradentes ou no bacião de alumínio e colocar a melhor troca de roupas para então, junto com outros caboclos e caboclas em bandos em meios a carreadores chegar ao local do baile.
Havia um grande respeito entre os jovens em direção às festanças. Não se ouvia por parte dos homens palavras que pudessem ferir os ouvidos femininos e elas com suas roupas de festa, no rosto pó de arroz e “rouge”, os cabelos soltos ao vento. Aos olhos masculinos elas não caminhavam, mas, flutuavam como fadas de olhares sonhadores.
Muito antes de se chegar à festa, ouvia-se o som característico do fole nas noites escuras do sertão. Depois do aguaceiro, as noites ganhavam um toque mágico com o clarão da lua cheia e com a misteriosa estrela cadente riscando os céus provocando nos casais apaixonados um suspiro suspenso no ar.
Às vezes, o dono da festa cobrava dos cavalheiros uma importância para ter o direito de dançar. O dançarino colocava no bolso do paletó ou da camisa um cravo liberando-o para a dança. As moças ficavam sentadas em bancos esperando serem tiradas para dançar. Acontecia da moça não se simpatizar com o cavalheiro que vinha lhe tirar para dançar, ela então dizia não com um gesto de cabeça, isso era considerado “tábua”, uma ofensa para o cavalheiro que ato contínuo, lhe proibia de dançar por uma ou mais música, se ela o desobedecesse e teimasse em dançar, estava armada uma grande confusão.
Doces lembranças de um tempo que ficou lá no passado distante, das noites enluaradas, dos ingênuos bailinhos da roça e das lindas caboclas do meu sertão!