Conta-se que um circo mambembe chegou à cidade e lá permaneceu o tempo suficiente para que o palhaço se envolvesse com uma mulher casada. Diante do fato, levantaram lonas, deixando para trás o único barbeiro da cidade inconsolável. Para afogar as mágoas, bebia até cair. Tempos depois, chegou àquela pequena vila outro circo. Pelo autofalante do veículo convidava a todos para a estreia: “Hoje tem marmelada?”. “Tem, sim, senhor”, respondiam as crianças, correndo atrás. “Hoje tem goiabada?”. “Tem, sim, senhor!”. “E o palhaço, o que é?”. Nesse momento, o bêbado levanta-se do banco da praça e grita, desabafando sua dor: “É ladrão de muié!”.
A origem do termo “palhaço” vem do italiano: omino di paglia, que significa “homem de palha”, que é o artista que, entre uma apresentação e outra, faz gracejos, momices e trejeitos, veste-se de maneira engraçada, com trajes desproporcionais e com pinturas no rosto. Sua principal função: a graça.
E, por falar em circo, dia desses, encontrava-me em Poloni em companhia da secretária de Cultura Sara Jane Noboa. Comentei com ela o desejo de escrever sobre os velhos palhaços que encantaram por décadas os habitantes do sertão paulista. Qual foi minha surpresa quando ela me disse que um dos maiores palhaços que aturaram por estas bandas reside na cidade. Refeito da grata surpresa, fui ao encontro de Osmar dos Santos, o palhaço Pequito.
Eu o admirava desde os tempos da roça, quando nas noites do sertão ouvia na Rádio Nacional de São Paulo o programa Edgar de Souza, quando as duplas caipiras anunciavam que iriam se apresentar na cidade “tal”, no Circo do Pequito. Agora, ali estava eu, na presença do ídolo.
Diante da figura impoluta, tornei-me novamente criança ao ouvir suas histórias sobre as andanças por esse Brasilzão de meu Deus. Seus olhos brilhavam, sua voz mansa foi me conduzindo ao mundo de luzes e cores. No circo, aprendeu a fazer de tudo um pouco, desde armar e desarmar a lona; foi bilheteiro, construtor de picadeiro, trapezista, equilibrista, atuou no globo da morte, e o que mais gostava: ser palhaço.
Contou-me que mesmo antes de nascer tinha ganhado o apelido. Seu pai fez uma homenagem ao tio “Pequetito”, que durante décadas foi toureiro. Certa vez, num espetáculo de tourada, numa distração, o touro levou a melhor, golpeando-o e derrubando-o ao chão, de onde não mais se levantou. Quando nasceu, o irmão não conseguia falar “Pequetito”. Aos poucos, foi simplificando para Pequito, e assim ficou para sempre.
Hoje com 78 anos, Pequito é um poço de saudades. Natural de Campo Largo – Paraná –, não conheceu sua cidade natal; havia o desejo, mas nunca conseguiu realizar o sonho. Estava em constantes viagens, mudando de cidade em cidade, levando alegria. Antes da guerra, os transportes eram sobre carroças, por estradas poeirentas. As viagens duravam dias até chegar à próxima vila. Com o término da guerra, as viagens passaram a ser feitas em caminhões, melhorando, assim, as condições de vida dos artistas mambembes.
Osmar dos Santos guarda com carinho recortes de jornais e medalhas sobre sua trajetória rica em histórias e vivências. O circo se foi para sempre. Sentado num canto do palco da vida, à semelhança de “O Pensador”, de Auguste Rodin, vê desfilar personagens dos dramas teatrais que tanto emocionaram as plateias.
Pequito disfarça um sorriso no canto da boca quando me despeço. No entanto, tenho a nítida impressão de que por dentro ele chora!