Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
“Eu disse a ela”, declarou o ancião. E antes de prosseguir, como que para dar indubitável veracidade ao que ia declarar, repetiu o início da fala, “eu disse a ela que a amaria eternamente, e assim foi, é e será...”, fez uma ligeira pausa e completou, “eternamente, não porque o homem tem a obrigação inalienável de cumprir a palavra empenhada, é que o amor verdadeiro é assim mesmo: eterno.”
O homem vestido de branco, de barba escanhoada e estetoscópio pendurado no pescoço olhou para o ancião,, sorriu e disse:
“É muito bonito o que o senhor acabou de dizer sobre a obrigação do homem em cumprir a palavra empenhada e, sobretudo, a observação de que o amor verdadeiro é eterno; no entanto, devo informar, com pesar, que as duas premissas estão sepultadas, já não se cumpre palavra empenhada e tampouco existe amor verdadeiro.”
“Então temo que nossa conversa não vai fluir a contento, pois meus basilares pontos de partida são: cumprimento de palavra empenhada e amor verdadeiro, o segundo ponto é quase uma redundância, já que amor, se não verdadeiro, não é amor.”
“Entendo o senhor”, disse o outro homem, o de bigode fino e terno escuro, “suas convicções ultrapassadas são próprias de um homem das antigas.”
“Não se trata de ser ou não das antigas”, objetou o ancião, “princípios não mudam, um bom exemplo é o mel, doce desde o primeiro trabalho da abelha, ocorre que alguns homens pautam a existência pela retidão; e outros, não.”
“Então o senhor faria qualquer coisa pelo amor?”, perguntou o de roupa branca, “abriria mão de dinheiro e conforto material?”
“Mas é claro que sim”, respondeu o ancião, “como fez Bento e muitos outros.”
“Quem é esse Bento?”, perguntou o de terno escuro.
“São Bento, de Núrsia, patriarca e legislador cristão do Ocidente, era de uma nobre família romana; refugiou-se na gruta do Sacro Speco, na solidão de Subiaco, onde fundou o mosteiro de Monte Cassino, berço da Ordem de São Bento.”
“Quanto desprendimento!”, exclamou o da barba escanhoada.
“Essa é a história de vida dos homens que galgaram patamares dignificantes”, disse o ancião, “os grandes andam no sentido oposto à opulência e seguem o caminho de humildade que foi ensinado por Cristo.”
“Presumo que o senhor tenha um patrimônio considerável, estou certo?”, perguntou, ardilosamente, o de bigode fino.
“Tem razão”, concordou o ancião, “tenho, de fato, um patrimônio considerável; diga-me: como é que descobriu?”
“Um palpite, o senhor tem uma desenvoltura própria dos homens de posse!”
“Depende do que você classifica como posse”, disse o ancião, “não tenho um centavo sequer.”
“Espere um pouco”, disse o do terno escuro, “o senhor acabou de declarar que possui um patrimônio considerável!”
“Eu também ouvi”, ratificou o da roupa branca, “ouvi em alto e bom som.”
“Eu estava me referindo ao patrimônio espiritual”, explicou o ancião.
“E onde mora aquela a quem o senhor disse amar eternamente?”, perguntaram, uníssonos, o de barba escanhoada e o de bigode fino.
“Ela tem dois endereços”, disse o ancião, “um deles tem o nome de uma rua ou avenida, um número, o nome de um bairro, cidade, Estado, País... O outro é aquele que está, e sempre estará em mim, no coração do velho poeta que vos fala, senhores.”