“A vida é uma arte de encontros, embora haja tantos desencontros pela vida”
-Vinícius de Morais
Nos idos dos anos oitenta eu procurava incessantemente quem me orientasse no manejo com os pincéis, pois, havia desenhado há mais de quinze anos e desejava mudar os rumos da minha arte. Como já tive oportunidade de dizer aqui em outra crônica eu fui acolhido pelo meu mestre Alcides Rozani. Que penso, foi embora antes do combinado. E foi naqueles dias de muito aprendizado para mim e de muito acolhimento por parte daquele grande artista que eu fiquei conhecendo uma das grandes figuras da nossa cidade e com expressão fora dela.
Esse senhor a quem me refiro além de ser dono de uma grande simpatia é muito carismático e também um grande fidalgo.
Penso que a admiração por ele deu-se no exato momento em que eu o conheci e depois de saber das suas origens o meu carinho por ele aumentou ainda mais, pois, tenho quase certeza que somos amigos de outros viveres, outros saberes e de outras memórias, como disse Laetitia Renot: “carregamos conosco não só a alma daquilo que fomos mas também a de nosso mortos e de nossos ancestrais”.Por isso penso que já nos encontramos pelos mundos que rolam pelo universo afora. Em outras dimensões.
Pois bem, eu estou falando de Dom Mauro da Costa Lima, filho de Jonas da Costa Lima e de Dona Ilidia Rosa Lima que nasceu no ano de 1929 na cidade de Jataí, interior de Goiás e que elegeu a nossa cidade para sua morada.
Segundo Dom Mauro, quando seus pais se casaram eles eram tão pobres que ficava difícil classificá-los diante de tamanha penúria. Logo depois do casamento, foram montados no lombo de cavalos para se aventurarem nos garimpos às margens do Rio Araguaia que ficava há mais de cinqüenta léguas de Jataí (uma légua caipira equivale a sete kilometros). Dormiam embaixo de arvores ou muitas vezes ao relento.
Com o tempo, voltaram a Jataí e dona Ilidia com uma máquina manual de costura ajudava no sustendo do lar e Dom Mauro aos sete anos era faxineiro numa casa comercial da sua cidade.
O Sr. Jonas, seu pai, queria um futuro melhor para o filho tanto que em 1942 o enviou a campinas para estudar em colégio interno.
A viajem de Jataí à cidade de Campinas durou cinco dias e ele lá permaneceu dois anos e meio. Sentiu que não tinha gosto pelos estudos e voltou para casa envergonhado e triste.
Em seguida, acompanhou uma comitiva em direção ao Estado do Mato Grosso para buscar uma boiada. Após setenta dias na estrada, quando passava pela cidade de Aparecida do Tabuado ouviu o som de um avião sobrevoando o local e pousou num campo de terra batida. O piloto estava a sua procura a mando de seu pai que ato contínuo o enviou para São Paulo para se matricular numa escola de pilotos no Campo de Marte.
O título desta crônica se justifica, pois, ainda menino em sua cidade, Dom Mauro ouviu pela primeira vez numa vitrolinha tocada à corda o som de uma harpa. Como ele próprio diz: “foi paixão ao primeiro ouvir”. Tempos depois, adquiriu o instrumento mesmo sem o saber tocar. Por esse motivo, criou um método muito particular para dedilhar e arrancar dela sons maravilhosos e inesquecíveis.
Sua fama cruzou fronteiras. Gravou inúmeros discos, indo inclusive se apresentar na terra de origem do seu instrumento: o Paraguai, onde recebeu o título de “Dom”
Hoje, Dom Mauro da Costa Lima é um grande vencedor na arte e na vida. É de sua autoria o livro: “Tropeiros e boiadas - Nos trieiros da memória.” Aos oitenta e dois anos bem vividos e pela sensibilidade de artista, continua sendo sem sombras de dúvidas: “O menino da harpa” da sua doce e terna Jataí.