Um dos hábitos que me dão muito prazer, e que carrego comigo há anos, é o de sair nos finais de semana ou feriados pelas vicinais de nossa região ou antigas estradas boiadeiras em busca de paisagens bucólicas. Especialmente nesse outono, percebo que as paineiras estão carregadas de flores rosa de todos os tons, e isso me deixa de tal maneira encantado, que, em muitos casos, me pego com os olhos “nadando” em lágrimas.
Este ano, de uma maneira muito especial, as paineiras estão dando espetáculos à parte. Com as árvores floridas salpicando a natureza não há quem não se emocione.
Lembro-me ainda menino, quando chegava essa estação, as velhas paineiras iniciavam a queda das folhas para dar lugar aos botões que em pouco tempo se transformavam em belas flores.
Entre a colônia e a sede da fazenda, bem ao lado do curral, havia pelos menos uma dúzia delas adornando o local. Um quintilhão de flores se abria ao mesmo tempo. O perfume que exalavam enchia cada canto da fazenda, tornando mais leve o dia do caboclo, que, ao passar sob o manto rosado das flores, se enternecia ao ver tamanha beleza.
Tantas foram as vezes que eu, criança, deitava-me à sombra delas sobre o imenso tapete formado das pétalas que caíam, e com os olhos fechados indagava: como podia a natureza ser tão generosa com os seres humanos sem nada pedir em troca, a não ser um simples olhar? Em baixo da paineira em flor, eu permanecia por longos períodos perdido em pensamentos, assistindo o vento balançar os galhos e vendo as grandes pétalas caírem em forma de chuva colorida. Ficava admirando cada botão se desabrochando, cada flor aberta fornecendo o néctar aos beija-flores que, às centenas e de todos os tamanhos, se banqueteavam e, além deles, e em maior número, as abelhas, as mangavas e demais insetos completavam a festa.
Numa tarde, o menino, deitado no insólito tapete, adormeceu e sonhou que oferecia aquelas flores a todos os habitantes do nosso planeta. Pensava que com o gesto tornaria o coração de cada ser humano um pouco mais sensível e mais espiritualizado para se amar entre si.
Quando a florada chegava ao fim, em poucos dias notava-se, nas pontas de todos os galhos, pequenos frutos que mais tarde se tornariam “maçãs” cheias de flocos parecendo algodão. Então, o caboclo, fazendo uso de uma vara de bambu, apanhava cada fruto, deixando-o secar ao sol. Quando aberto, era hora de tirar os chumaços de painas para encher travesseiros, acolchoados ou colchão. Deitar a cabeça num travesseiro de painas, depois de um dia estafante, era o suficiente para o capiau dormir e sonhar com os anjos, de tão macio que era.
Os frutos mais altos que ficavam longe do alcance da vara de bambu lá não permaneciam por muito tempo. As maritacas, os periquitos e os tuins, em busca das sementes no interior do fruto que tanto apreciavam, usando seus bicos fortes, em instante davam conta do recado.
Tantos janeiros se passaram que já não tenho certeza se os novos proprietários da fazenda tiveram a sensibilidade de manter em pé as imensas paineiras. Se ainda existirem, desejo um dia revê-las para matar a enorme saudade que sinto.
Para encerrar, lembro os versos do poeta e compositor de moda caipira José Fortuna sobre uma velha paineira: “Paineira velha, fiel amiga/Nossos destinos são sempre iguais/Se estou contente, você floresce/Quando eu padeço, suas flores caem/ Nascemos juntos, paineira velha/Vamos morrer nesta união/De vossos galhos quero uma cruz/De sua madeira quero um caixão”.