“O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia/ Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia/ Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia/ Fernando Pessoa.
E o Tejo não é mais belo que o Turvo, pois o Turvo é o rio que passa pela minha aldeia, aliás, ninguém diz vou pescar no Rio Turvo. Os pescadores dizem: vou pescar no Turvo. Assim tão íntimos.
O Turvo faz parte da minha infância não que eu tenha nele pescado, mas presenciei inúmeras vezes os caboclos da colônia arrumar suas tralhas de pesca e embarcarem na carroceria de um caminhão em direção ao Turvo. Esse ritual acontecia todo final da colheita do café. O ano de trabalho para o meeiro de café acaba em outubro e antes das primeiras chuvas, eles tiravam uns diazinho por conta. Se o ano foi de colheita produtiva ele ia pescar para comemorar, se fosse um ano difícil, de pouca safra, ele ia para desestressar.
Eu, criança, ouvia entusiasmado os pescadores ao retornarem da pescaria contar as suas aventuras às margens do rio. Sem nunca tê-lo visto eu o conhecia de cor e salteado, pois, os caboclos como bons pescadores também eram bons mentirosos. Suas aventuras aconteciam no Vinte e Sete e no Quarenta e Cinco e o bar que freqüentavam era o do Neno. Agora, aventura mesmo eles contavam do tal “Taiadão” onde os dourados “sartava” até para fora d’água de tanto que tinha, diziam eles.O caboclo João Mineiro era o mais experiente de todos os pescadores e não raro chegava a notícia que ele havia pego um dourado de mais de dez quilos, quando isso acontecia, era uma festa na fazenda.
Confesso que mesmo sem conhecê-lo eu já o amava e o admirava à distância. O nome “Taiadão” soava em meus ouvidos de uma maneira muito especial, como especial é a queda maravilhosa do Talhadão.
Tenho visto pela imprensa que os amantes da natureza e do Rio Turvo deflagraram um movimento para a sua preservação. Como sabem, existe um desejo muito forte de empresários dispostos a construírem usinas hidrelétricas que poucos benefícios trariam às cidades próximas.
Dia desses, fui convidado pelos amigos professor e pesquisador Antonio Carlos de Carvalho e pelo Dr João Alberto de Carvalho a conhecer tão belo lugar.
No caminho, passamos por “Poléia” (é assim que o Dr. João chama carinhosamente Palestina), sua cidade natal e, como bairrista que é, disse que o céu da cidade de Duplo Céu junto à queda do Talhadão é o mais lindo do mundo e eu retruquei claro: o céu mais lindo do mundo é o de Neves paulista!
Chegamos. Fui tomado de uma emoção poucas vezes vivida por mim. Primeiro por estar ali ouvindo mesmo antes de chegar o estrondo das águas despencando rio abaixo e, segundo, eu estava no local que na infância tanto ouvira falar.
Parecia sentir a presença dos meus velhos amigos de infância ali sentados, atentos, empunhando um caniço e competindo entre si, quem pegaria o maior dourado.
A queda, o rio, a paisagem serpenteando as margens é muito mais belo do que eu ouvira falar e me perdi em pensamentos perguntado a mim mesmo: como pode alguém desejar acabar com tão belo espetáculo?
Entramos na mata e qual foi a minha surpresa ao nos depararmos com imensos pés de jatobás carregados dos frutos maduros muitos dos quais espalhados pelo chão. Não tive dúvidas: ali mesmo sentado numa pedra, e contemplando tão belo cenário saboreei como há muito não fazia o doce jatobá.
Professor Antonio Carlos e Dr. João Alberto, não conheço o projeto da tal usina e nem tenho o desejo em conhecê-lo, mas, nesse dia o nosso Turvo conquistou mais um aliado além do que ele é mais belo que o Tejo!