Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
Desceu a avenida com passos decididos, embora lentos. Carregava a íntima certeza de que precisava empreender a fuga com a maior brevidade possível. Começara a sentir-se sufocado há alguns meses, assim que chegou à conclusão de que, além dos problemas notórios das cidades, como a tríade de poluição: visual, sonora e do ar, os centros urbanos também anulam a linha do horizonte. E um homem necessita largos horizontes para viver; uma linha do horizonte no telhado próximo é um ultraje.
Dizia-se em latim: Fugere Urbem – a fuga da cidade -, ideal do Neoclassicismo. E Santiago – esse é o nome do homem que caminhava pela avenida – sentiu-se, pois, como um daqueles sujeitos que viveram entre 1760 e 1830.
Escritor de ofício, Santiago sentia a criatividade cambaleante, mas, a imaginação fluía a contento. Mergulhar no ciclo seco – período em que o escritor nada consegue criar – era uma possibilidade remota. Chegou ao endereço que procurava: uma loja especializada em artigos de caça e pesca.
Santiago não acreditava em verdades absolutas, dessas que se emolduram e coloca-se na parede da existência de modo atemporal. Todo definitivo é transitório. É certo que alguns fatos são inegáveis, tais como: a aflição tem textura áspera; o vestido que fora usado por uma mulher sempre conserva um perfume inebriante, mágico e sedutor; o medo tem gosto amargo e o amor tem som de oboé. No mais, gostava mesmo era de voar, o que estava se tornando cada vez mais difícil na metrópole. A fuga era uma necessidade fremente. O escritor entrou no estabelecimento.
“Posso ajudá-lo, senhor?”, perguntou o vendedor da loja de caça e pesca.
“Sim, procuro por apetrechos de pesca, linha, anzol, molinete, samburá etc.”
“Perfeitamente, vara de pescar, o senhor já tem?”
“Não, ainda não.”
“Temos aqui, inclusive varas metálicas.”
“Varas metálicas são mais indicadas para pesca no mar, para arremessar de um barco”, disse o escritor, “minha pescaria vai ser em água doce, onde é mais apropriado o uso de varas de fibra de vidro ou fibra de carbono.”
Foi então que outro cliente entrou na loja, aproximou-se do vendedor e disse:
“Estou interessado em armas.”
“Claro, tem algo em mente?”, perguntou o vendedor.
“Revólver calibre 357, 9 mm; pistola automática; fuzil de caça e de guerra; ah, e também arma branca, como faca de comando com corta-arame; e quero dar uma olhada em soco-inglês.”
“Temos tudo isso e muito mais”, disse o vendedor, “dê uma olhada aí pela loja, fique à vontade, vou terminar de atender esse senhor, depois lhe mostro as armas.”
“Está bem”, concordou o homem recém-chegado, “o governo tem flexibilizado a posse de arma, vou montar meu arsenal, depois é só rezar para que algum vagabundo entre em minha casa.”
“O mundo está muito violento”, disse o vendedor ao escritor, assim que o outro homem se afastou, “o senhor não gostaria de adquirir algumas armas?”
“Não, embora tedioso e incompreensível a muitos, o caminho da sabedoria é a saída, existem dois mundos, um deles é onde o homem vive, o outro é o próprio homem, qualquer pessoa pode lapidar o segundo mundo, melhorar-se; se violência fosse a solução, a Terra seria um paraíso, afinal, os homens sempre fizeram guerra.”
No dia seguinte, Santiago ouvia o ruído do rio e o canto dos pássaros.