O outono lentamente se despede deixando as manhãs de sol lentas e preguiçosas. O horário matinal fica convidativo para um cappuccino que tomo num bar na área central da nossa querida Rio Preto.
Depois de saborear a bebida, permaneço por instantes parado junto à porta do estabelecimento e vejo passar na calçada oposta um velho conhecido. Ao vê-lo, tenho o ímpeto de chamá-lo usando a mesma forma que o chamo há anos: “Mestre” - disse eu, tentando chamar-lhe a atenção, no que fui ouvido.
Tratava-se do meu amigo e professor Adaumir, que, ao me ver, parou, esperou que eu atravessasse a rua para o abraço do discípulo no mestre.
O professor tem suas origens na roça, portanto, velhas lembranças vêm à tona, fazendo com que voltemos aos nossos tempos de meninos brincando de biroca, pião, bola de meia e outros tantos que ficaram dependurados no velho cabide das memórias. Doces vivências vieram à tona e o mestre, emocion
ado, falava-me que nessa época na roça era o tempo da colheita do café. Nas fazendas, o movimento dos colonos era intenso na lida do vai e vem das carroças carregadas das sacarias em direção ao terreirão para secagem. Em meio às emoções nos despedimos.
Quando o mestre se foi, fiquei ainda um tempo ali, parado, pensando na nossa conversa e nos mestres que entram e saíram da minha vida e, confesso, não tive como não me emocionar ao lembrar-me de um que, assim como entrou em minha vida, também se foi, sem se despedir. Trata-se de Lourenço Osvaldo Bighellini.
Diz um antigo adágio: quando o discípulo está pronto, o mestre aparece. E foi isso o que realmente aconteceu. Conheci o Loro (era assim que ele era conhecido) num momento muito especial da minha vida. Ao vê-lo pela primeira vez, senti que uma grande amizade estava nascendo e o elegi meu mestre logo nas primeiras conversas. Ele era uma pessoa muito agradável. Apesar da idade, tinha uma farta cabeleira, digna dos gênios. Silhueta elegante, tinha o porte dos antigos galãs de cinema. Sua cultura era geral, tinha noções de latim, inglês, francês e um português corretíssimo. Tinha lido todos os grandes pensadores, assim como os velhos poetas. Desses, adorava os parnasianos. Dos franceses, dos que mais gostava eram Thhéophile Gaultier e José Maria Hedia. E no Brasil os parnasianos mais lidos por ele eram Alberto de Oliveira, Raimundo Correia e Olavo Bilac.
Eclético, na música ia de samba de gafieira à música erudita, adorava o alemão Ludwig van Beethoven e suspirava ao ouvir Bezerra da Silva e Adoniran Barbosa. Aliás, dizia que quando morou em São Paulo, nos idos de 1950, frequentou o mesmo bar onde o compositor da música ``Trem das Onze`` terminava a noite.
Era um amante das artes plásticas. Inclusive, lá na Santa Cruz da Conceição da sua infância, no colégio onde estudava, incentivado por um dos seus mestres por longo período, desenvolveu suas habilidades.
Passávamos tardes inteiras no meu atelier, eu, pintando e ele ali, do meu lado, falando do seu passado, das suas aventuras apaixonantes. Grandes coisas aprendi contigo, meu mestre! Inclusive, sobre espiritualidade, e para o que ele chamava de “Uma força maior”.
Certa noite, não faz muito tempo, recebi a notícia do seu passamento. Imediatamente lembrei-me que os mestres não morrem, se encantam. Lourenço Osvaldo Bighellini encontra-se encantado e seu brilho é visto em forma de estrela que acabou de nascer em um ponto no universo!