Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
Quando eu era criança, contaram-me que, certa feita, Dom Pedro I saiu para uma caçada. Embrenhou-se na mata até que não mais conseguiu encontrar o caminho de volta. Veio o anoitecer e, desorientado, o Imperador vagou pela floresta. Na madrugada, chegou a uma pousada. Bateu palmas e, de dentro da pousada, soou a clássica pergunta:
“Quem é?”
“Aqui é Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon”, respondeu o Imperador, julgando que seu nome completo impressionaria o dono da pousada.
E depois de um curto silêncio, lá de dentro da pousada, soou a sentença negativa:
“Vão embora, não tenho vagas pra essa turma toda.”
A narrativa a que acima me reporto ficou integralmente gravada em minha memória – da pitada de jocosidade ao nome completo de Dom Pedro I. Mas, a história que vou contar não é sobre Dom Pedro I, é sobre um sonho recorrente.
Não tenho um nome pomposo e quilométrico, tampouco ostento o título de Imperador. Sou um escritor vivendo em um país que, verdade seja dita, não é lá muito afeito à leitura. Mas, é necessário que alguém exerça o ofício de escrever, ainda que isto signifique socar pontas de facas. Se zerássemos a produção literária – embora pareça impossível - tudo ficaria ainda pior nesse sofrido país...
O sonho? Ah! O sonho recorrente teve início logo depois que Bianca me abandonou. É difícil aturar as excentricidades dos escritores. Também pesa o fato de que escritores brasileiros não têm dinheiro, apenas sonhos e ideais. Os pouquíssimos bens ficaram com Bianca; comigo ficaram os sonhos, os ideais e os livros.
Depois que Bianca me abandonou, mudei-me para um minúsculo apartamento no décimo andar de um prédio descascado e alquebrado, uma edificação antiga cujo elevador não funciona. Subir e descer as escadas tornou-se um excelente exercício físico. Os poucos trocados que conseguia ministrando aulas particulares de redação permitia apenas a aquisição de legumes em fim de feiras – a chamada xepa. A alimentação saudável aliada ao exercício físico aumentou minha disposição e até melhorou minha aparência...
Ah, sim, claro, o sonho. No sonho, eu estou perambulando pelas ruas da cidade durante a noite quando, de repente, todas as luzes se apagam. Inexplicavelmente eu consigo, movimentando-me trôpego e tateante, chegar ao velho prédio em que moro. Começo a subir as escadas. Ao passar pelo quinto andar, encontro uma mulher de extraordinária beleza que, sorridente, apresenta-se a mim.
“Olá, eu sou a Glória.”
“Concordo inteiramente”, eu digo. E acrescento um: “imenso prazer.”
E então eu acordo. Embora exista apenas em um sonho, a mulher do quinto andar é belíssima, mas eu prometera a mim mesmo que só iria me envolver novamente, caso encontrasse uma mulher que soubesse o nome completo de Dom Pedro I. E sempre cumpro minhas promessas. O sonho me acompanhou por alguns anos até que, na semana passada eu estava na rua, de madrugada, quando as luzes se apagaram. Segui para o velho prédio em que moro. Quando cheguei a meu apartamento, encontrei a mulher do quinto andar – a do sonho – deitada em minha cama, nua. Eram três horas da madrugada e ela não sabia o nome completo de Dom Pedro I. Por volta das quatro horas, reconsiderei... E quebrei minha promessa.