Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
O velho Marcelo é homem das antigas, sistemático e metódico. Conserva, há décadas, os mesmos três amigos, com os quais se reúne – religiosamente - todas as tardes de sábado para um carteado. O encontro do quarteto tem início ao meio-dia e é encerrado, impreterivelmente, às dezessete horas.
Por sorte, Marcelinho conhecia o ritual do pai no período vespertino dos sábados. Junior, como era conhecido o filho do velho Marcelo, chegou ao clube quando o relógio marcava meio-dia e cinco minutos.
“Seu pai realmente está no clube”, informou o porteiro a Marcelo Junior, e completou, “mas no momento não podemos anunciar que você está aqui a procurar por ele, ele não admite que ninguém o interrompa quando está jogando, todos os funcionários do clube sabem disso, até as dezessete horas, seu carteado é sagrado.”
Marcelinho deu umas voltas pela cidade. Retornou ao clube quando faltavam vinte minutos para as dezessete horas. Depois de uma espera de vinte e dois minutos cravados, viu o pai saindo do clube.
“Pai, estava esperando pelo senhor”, disse o Junior ao velho Marcelo.
“Estou saindo do carteado, mas que boa surpresa, não esperava vê-lo aqui, filho.”
“Preciso falar com o senhor, venha, estou de carro, posso oferecer uma carona?”
“Claro, vamos conversar.”
“Eu não sabia como encontrá-lo”, disse o filho ao pai, assim que o automóvel ganhou movimento, “vou lhe comprar um telefone celular, assim posso localizá-lo facilmente, a qualquer momento.”
“Mas você acabou de me localizar.”
“Sim, felizmente lembrei do seu carteado das tardes de sábado, mas, se o senhor tivesse um celular, teria lhe contatado no início da semana, estou à sua procura desde segunda-feira.”
“Estava à minha procura para oferecer-me um telefone celular?”
“Bem... acho que nos dias de hoje, ter um telefone celular é uma necessidade, mas, eu o estava procurando para falar sobre a mamãe, ela está lá em casa, chegou na segunda-feira, e diz que o senhor a abandonou sem nenhuma explicação.”
“Ela disse isso?”
“Sim, ela disse.”
“O que vou lhe dizer eu não diria a mais ninguém”, confidenciou o velho Marcelo, “que fique entre nós, mas, a verdade é que sua mãe me traiu, filho.”
“O QUÊ?! Vocês estão casados há mais de meio século e a mamãe jamais olhou pra outro homem.”
“Isso eu sei, mas sua mãe disse estar arrependida de ter votado pro Bolsonaro.”
“E ela não pode se arrepender de ter votado pra ele?”
“O problema não é o arrependimento, é o voto, ao votar naquele imbecil ela traiu a mim, à sensatez, ao bom senso.”
“Mas a separação é uma atitude muito drástica, vocês acabaram de comemorar bodas de ouro”, disse Marcelinho, assim que chegaram à pensão.
“É verdade, mas a decisão está tomada, não reconheço mais sua mãe, quem vota no Bolsonaro não pode estar em pleno gozo das faculdades mentais e é capaz de cometer qualquer imprudência”, disse o velho Marcelo, “bom, agora você já sabe onde me encontrar, aqui ou no carteado, nas tardes de sábado”, e salientou, “depois das dezessete horas, e quanto ao celular, esquece, recuso-me a usar.”