Das estações do ano, a de que mais gosto é o outono. Inclusive, tive oportunidade de expressar essa preferência aqui neste espaço do Diário da Região, em outras crônicas. Essa estação tem um quê de especial. O céu ganha um azul intenso, pequenas nuvens amontoadas lembram vagamente um rebanho de carneirinhos de lãs brancas sendo levadas ao sabor do vento. A brisa suave das manhãs tocando de leve as folhas das plantas, que, com os primeiros raios de sol, dão à natureza um colorido todo especial. É nesses momentos que o caboclo sente desejo de continuar lutando, mesmo que o trabalho seja árduo e estafante.
Naqueles tempos, as matas cobertas de cipós dependurados na galharia torta ficavam salpicadas de flores de todas as cores, de todos os tons e de todos os aromas. Borboletas em profusão faziam parte da grande sinfonia orquestrada por mãos mágicas invisíveis aos olhos de quem passava, mas sentida na alma sensível do roceiro. O movimento e o cantar da passarada...
Num tronco oco da paineira em flor, um casal de maritacas cuidava de preparar seu ninho para dar continuidade à espécie. Um pouco mais acima, num galho enforquilhado, o pedreiro das matas, o João de Barro, preparava pacientemente a moradia para sua amada, buscando na mina a matéria prima para seu novo lar. E a Joaninha toda encantada assistia orgulhosa seu amado, o grande mestre de obras, no vai e vem com o barro preso ao bico.
As abelhas, os colibris e as mangavas voavam feito doidos em busca de cada pétala para tirar dela o néctar para sua sobrevivência, e dessa forma dar continuidade à vida.
Nessa época, o roceiro já havia colhido o arroz e colhia também o que para nós era aguardado com muita ansiedade: o milho de pipoca.
Após colhê-lo, era recomendado deixá-lo secar ao sol no meio do terreirão por um ou dois dias para que os grãos perdessem a água. Só então as pequenas espigas eram debulhadas para ir ao fogo.
Faço aqui uma pausa para uma observação que fiz dia desses num dos shoppings da cidade enquanto aguardava na fila para uma sessão de cinema. Vi como as crianças se encantam e, claro, também os adultos, com os pacotes de pipocas. Alguns mais vorazes compram o tamanho jumbo e o devoram antes mesmo que acabe a exibição.
Então, imaginem nós, os caboclos daquelas épocas!
Havia um ritual todo mágico para estourar pipocas. Volto no tempo e vejo, nas noites escuras do sertão alumiadas com a luz bruxuleante da lamparina, minha mãe e meu pai ao lado do fogão com uma panela de ferro enorme colocando banha de porco para aquecer. Nessa época eu já era casado, meu filho Alessandre havia nascido e eu ainda morava com meus pais (era costume os filhos morarem com os pais mesmo depois de casados). Ali, ao lado da “borráia”, em uníssono cantávamos, e minha mãe batendo com a escumadeira na tampa da panela, repetíamos: “Rebenta pipoca, Maria sororoca... rebenta pipoca, Maria sororoca!
O Alessandre, como primeiro neto, era o “dodói” dos tios e das tias. Ele sabia que teria o privilégio de ser servido antes. Por isso, aguardava pacientemente, sentado num banquinho de madeira num canto da cozinha com um prato de ”ferragate” à mão, o momento de saborear o “mii di pipoca”. E, claro, temperado com molho de pimenta comari conservada no suco de limão cravo colhido no quintal. Ele adorava comer os “piruás” salgados que ficavam no fundo do prato.
Meu Deus, como tudo passa tão rapidamente! As imagens estão vivas nas minhas memórias. Ainda o vejo pequeno, sentado no banquinho, tendo ao colo o prato de ferro ágata, saboreando a pipoca. Por isso, quando chega o outono, doces lembranças afloram em minha mente. Recordo minha mãe, meu pai, meus irmãos, a Cida, mãe do Alessandre, cantando em coro: “Rebenta pipoca, Maria sororoca... rebenta pipoca, Maria sororoca...”
Como éramos felizes! E sabíamos!