As tardes morenas da roça tornavam-se fagueiras à medida que o sol, “barrendo” o horizonte, deixava mostras de que em breve iria se retirar para seus aposentos no grande mar de estrelas onde dorme a noite. A lua, grávida de nove meses, surgia gorda no firmamento. Nesses momentos de enternecimento, o caboclo pegava na viola e cantava suas mágoas, suas saudades e – por que não dizer? – suas dores.
E aqueles que não tinham o dom de soltar a voz “rasgando” a viola, fazendo-a chorar, como era meu caso, como ficavam? Contentávamo-nos em ficar ao lado do velho Semp sintonizando as rádios que tocavam fundo o coração, ouvindo belas modas caipiras.
Velhos programas de antigos apresentadores eram os preferidos. Ao passar em frente às casas da colônia, podia-se ouvir um amontoado de sons vindos dos potentes rádios. Para sintonizar melhor as estações, os matutos improvisavam nos dois extremos da casa antenas com suporte de bambus com fios de cobre unindo as duas pontas. Dessa forma, ficava fácil “pegar” as emissoras da capital, de onde os programas de mais audiência eram transmitidos. Havia também os aparelhos em short wave – ondas curtas. Esses eram os mais potentes e preferidos na hora da aquisição.
Lembro-me de que nos anos de 1960, entre outros programas, um era o preferido dos caboclos: “Na beira da tuia”, apresentado pelos irmãos Tonico e Tinoco na Radio Bandeirantes de São Paulo (levado ao ar até 1983). Esse programa, por anos a fio, foi sucesso absoluto no horário das 18h. A dupla Coração do Brasil era unanimidade. Todos se entretiam ouvindo o jeito descontraído que apresentavam suas prosas e suas cantorias.
No momento em que escrevo esta crônica, uma profunda saudade e emoção toma conta de mim. Passei uma vida inteira ouvindo aquela dupla. Mesmo quando me mudei para a cidade mantive o hábito de ligar meu antigo rádio e sintonizar programas que vez ou outra tocavam músicas dos meus velhos ídolos. Havia uma identificação muito grande de minha parte com músicos na maneira de se expressar, no jeito meigo e terno do bom caipira.
Um, dia lá pelos idos de 1994, a dupla forçosamente se desfez com a morte de Tonico. Confesso que lágrimas fortuitas rolaram pelo meu rosto, num gesto de muita tristeza. Tinoco, agora, estava só!
O músico sentiu o baque, mas permaneceu cantando, embora com muita dor pela perda irreparável do irmão e sua bela voz, até que na madrugada do dia 4 de maio último Tinoco também nos deixou, aos 91 anos.
Tonico, que no registro de batismo recebeu o nome de João Salvador Perez, nasceu em 1917, na cidade de São Manoel. Tinoco, José Perez, veio ao mundo na fazenda Vargem Grande, nos arredores de Botucatu, três anos depois. Seus pais, Salvador Perez e Maria do Carmo, eram meeiros de café. Nossos ídolos nasceram em meio a um ambiente como o de todas as fazendas daquela época. Imensas colônias onde aos sábados aconteciam folguedos ao som da sanfona, do pandeiro e do violão. Foi convivendo na labuta diária de uma época romântica do sertão paulista que os dois irmãos surgiram para o Brasil como a dupla mais importante do nosso cancioneiro caboclo.
A dupla cantou e encantou os quatro cantos do país. Gravou mais de mil modas de viola em 83 discos. Diante de tão expressivos números, o sertão se cala ante a tristeza de milhares de fãs que choram a morte do cantador.
Com certeza permanecerão ad-eternum em nossas lembranças. Iguais a eles, nunca mais!