Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
Conrado Vilela é um advogado com talento natural para ganhar dinheiro. Está no topo da pirâmide econômica e social. Tem aversão a mentiras, o que caracteriza uma contradição, já que, por força da profissão, é muitas vezes coagido a mentir; dilema resolvido pelo doutor Vilela – no tribunal da própria consciência - com o argumento de que leves e eventuais inverdades proferidas com o nobre intuito de justiça não são propriamente mentiras. Um homem espirituoso e feliz, o doutor Vilela. Tem bela e leal esposa e três filhos estudiosos e responsáveis. Como se costuma dizer popularmente: a típica família de comercial de margarina. A voz de Conrado Vilela vibra na mais exata e cristalina expressão da verdade – no caso, verdade mesmo, sem a necessidade de nenhum estratagema de autodefesa – quando ele diz aos amigos:
“Meu sonho maior é ter um gramado impecável como os gramados ingleses.”
O gramado do doutor Conrado fica na frente da residência. Um gramado relativamente pequeno – cerca de duzentos metros quadrados – com uma ilhota de ixoras ao centro. Durante vinte anos, doze profissionais cuidaram do jardim, o gramado sempre fora bonito, mas não com aquela altiva exuberância dos gramados ingleses. Como vivia repetindo Conrado Vilela: “Precisa ser IMPECÁVEL!”
Conrado decidiu que iria cuidar pessoalmente do gramado. Pesquisou sobre o assunto. Aprofundou-se. Renunciou a compromissos sociais e até profissionais, passando a dedicar-se com abnegação ao sonho do gramado impecável. Efetuava a rega em horários apropriados, colocava música clássica – especialmente Bach – para a grama ouvir e até conversava longamente com o gramado, este, entretanto, continuava bonito, mas não impecável, apresentando falhas aqui e ali, quase imperceptíveis, mas que, segundo a avaliação do atento olhar do doutor, quebravam a harmoniosa perfeição.
O doutor Vilela nunca quis um gramado impecável para admirá-lo sozinho, a intenção sempre fora compartilhar a visão do tapete verde com os transeuntes, tanto que, como já foi mencionado, o gramado é frontal à residência, o que o separa da calçada da rua é uma mureta de não mais que meio metro de altura. O doutor dizia que aquela mureta com menos de três palmos, além de deixar o gramado totalmente visível a quem passava pela calçada, dava um toque de civilização e ares de Europa.
Um dia, Vilela convidou os amigos mais caros para um almoço em sua casa.
“Mas... está perfeito, impecável”, disseram uníssonos os convidados, assim que puseram os olhos no gramado.
“Modéstia à parte, concordo inteiramente”, disse Conrado Vilela, tomado por um sentimento de triunfo, por uma sensação de quem vence a guerra após perder algumas batalhas, “finalmente consegui o gramado impecável, e foi graças à Sociologia.”
“Espere um pouco”, disse um sociólogo que fazia parte do grupo, “Sociologia é o estudo científico das sociedades humanas e dos fatos sociais, não entendi a relação!”
“É simples, à luz da Sociologia, cheguei à conclusão de que nossa sociedade não atingiu a maturidade, é ainda adolescente e, como tal, é rebelde, do contra, o que me levou a mudar a placa”, apontou para a ilhota de ixoras e completou, “vejam o novo aviso que providenciei.”
Todos olharam para a placa que estava junto às ixoras. De fato, o doutor substituíra o aviso não pise na grama por outro com as palavras: “Pise na grama.”
“E ninguém mais pisou na grama”, disse o anfitrião, “devo admitir que não é um aviso verdadeiro, já que não quero que ninguém pise na grama, mas, trata-se de uma inverdade inocente, inofensiva e imbuída de nobre propósito.”