Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
Ela caminhou até a janela e lançou um olhar à rua. O sol tímido declinava e a tarde mostrava-se preguiçosa. Ele caminhou até ela, enlaçou-a pela cintura e disse:
“Ainda que o sol deixasse de brilhar, o mundo não mergulharia na escuridão, seu brilho natural iria a tudo iluminar como um poderoso farol de salvação.”
Ela ficou quieta.
“Seu brilho natural desde sempre me iluminou e inspirou”, ele continuou, “desde o primeiro poema que escrevi.”
“Meu poeta”, ela disse, sentindo a sinceridade que dele emanava.
“Recordo-me com absoluta clareza da primeira serenata que lhe fiz.”
“Também recordo, foi logo depois de vermos o filme Grease, da Paramount, estou certa?”
“Sim, foi exatamente uma semana depois, tempo necessário para eu aprender tocar e cantar a música de Frankie Valli, homônima do filme, e executá-la em sua janela.”
“E cantou lindamente, fiquei impressionada com a performance, você também cantou outras canções, e até declamou poemas.”
“Confesso que a intenção era impressioná-la, foi naquela primeira serenata que, pela primeira vez, declamei Neruda pra você.”
“Você também cantou Beatles naquela noite, não cantou?”
“Eu não podia abrir mão da banda de Liverpool, sempre gostei dos Beatles, naquela noite cantei Yesterday, do McCartney, e Michelle, de Lennon e McCartney.”
“E você também me presenteou com uma rosa, certo?”
“Uma rosa vermelha, uma rosa vermelha roubada, é claro.”
“Que memória você tem!”
“Bem, minha memória é, digamos, boa, mas não extraordinária como a de Marcel Proust, acontece que, aquela noite foi mesmo memorável, marcante, foi quando lhe beijei pela primeira vez, e como a rosa, o beijo também foi roubado.”
“Lembra-se de algo mais, daquela noite?”
“De tudo, lembro, por exemplo, que era lua crescente, e falando em lua, lembro até da meia lua de suas unhas, que notei quando recebeu a rosa de minhas mãos.”
“Jura?”
“Claro, aquela foi a noite mais importante de minha vida, foi quando conheci o amor.”
“Além das serenatas, você escreveu muitos belos poemas de amor para mim, sempre foi um homem criativo e inspirado, amor.”
“Para mim é fácil, já que tenho a mais bela das musas.”
“O lirismo está em declínio, poemas e serenatas estão desaparecendo.”
“Acho que costumes têm prazo de validade, o que não acontece com o verdadeiro amor.”
“Às vezes sinto falta dos bailes de máscaras dos antigos carnavais, éramos refletidos nos olhos um do outro.”
“E rodávamos pelo salão; hoje, todos usam máscaras, como se, de repente, o mundo houvesse se transformado num imenso carnaval.”
E veio a noite. E na madrugada, ele levantou-se em silêncio. Pegou uma tesoura. Apanhou o violão e saiu. Colheu sorrateiramente uma rosa no jardim do vizinho. Dirigiu-se à janela do próprio quarto e fez uma serenata para a amada. Era lua nova.