Antonio Rocha Bonfim (Foto: Divulgação)
Quando a música chegou ao fim, ele enxugou as duas lágrimas da face com o dorso da mão e engoliu um pouco de uísque. Caminhou até a janela e lançou um olhar para a praça. O dia estava triste, cinza, insosso. E triste, cinza e insosso eram as palavras mais apropriadas para descrever aquele dia.
Não estava chovendo, o sol não brilhava e não havia nenhum vestígio de euforia bailando no ar. O único alento era saber que as árvores da praça resistiam bravamente à prolongada estiagem e continuavam abrigando os pássaros e lutando contra a poluição.
Retornou à sala. Apanhou o uísque que minutos antes deixara sobre uma pequena mesa de madeira. Sentou-se em uma poltrona e fez um ligeiro movimento com a mão para ouvir o relaxante barulho de pedras de gelo em contato com o copo.
“Como se fosse possível relaxar!”, exclamou.
Ela permaneceu calada.
“Uma música romântica não é para ser simplesmente ouvida”, ele disse, olhando para os olhos da amada, “é para ser experimentada por todos os sentidos, é preciso permitir que ela penetre os poros, chegue ao coração e integre-se à alma.”
Ela continuou calada.
Ele engoliu um pouco mais de uísque e nos olhos da amada deixou-se mergulhar. Aqueles olhos exerciam sobre ele um doce encantamento, eram olhos feitos de mel e ternura. Novamente fez um ligeiro movimento com a mão e ouviu o tilintar reproduzido pelo encontro de pedras de gelo com a parede interna do copo. Então admirou a simetria estampada no rosto da amada, um rosto de indefectível beleza.
Deixou o uísque sobre a pequena mesa de madeira e caminhou novamente até a janela. Imaginou o andar desengonçado dos pombos bonachões, na praça. Sabia que os pombos estavam passeando no calçamento de pedras portuguesas, embora não pudesse vê-los. São previsíveis, os pombos, eles caminham pela praça todos os dias...
Mas... Aquela digressão ao passeio dos pombos não iria distanciá-lo da amada. Retornou à sala. Serviu-se de outro uísque e voltou a sentar-se na poltrona.
Pouco depois ele caminhou até o aparelho de som e, passados alguns segundos, outra música romântica invadiu o ambiente. A mulher amada estava em cada acorde da canção. Ele experimentou um momento mágico ao fitar os lábios entreabertos da amada: por um espaço milimétrico entre lábio superior e inferior daquela dulcíssima boca escapavam promessas de paraíso.
“Você está viajando nos acordes da canção, meu amor”, ele disse.
Embora ela permanecesse calada, dos lábios cálidos e convidativos da amada ele ouvia belos poemas de amor.
Ele sentiu um reconfortante afago na alma, como se lhe fosse retribuído o gesto de tocar carinhosamente os cabelos da amada. Não saberia descrever a sensação que experimentava, era como se estivesse à sombra de um flamboyant florido ouvindo uma sinfonia de pássaros, ou caminhando em um bosque de cerejeiras em flor ou algo assim.
“A saudade é alada”, ele afirmou.
“Por que a saudade é alada?”, perguntou-se.
“É que a saudade cruza o espaço, viajando em estonteante velocidade”, respondeu-se, depois de outro gole.
Continuava sentado na poltrona. Em uma das mãos, o uísque; na outra, a fotografia da mulher amada. Enquanto bebericava, servia-se de porções de saudade: condição inexorável e inerente a quem ama um amor que fisicamente está distante.