Havia algo diferente naquela aurora. A estrela da manhã não se despediu como de costume do dia que se aproximava. Ela que, sempre muito brilhante, altiva e bela, de repente perdeu o encanto, retirando-se à francesa para a Via Láctea. No canto dos olhos, uma lágrima teimava em rolar. O firmamento, com seus milhões de astros, aos poucos foi perdendo o brilho, até se apagar por completo na vastidão do universo. E o Sol? Onde estaria o Sol nessas horas? Afinal, ele estava atrasado, coisa que não acontecia havia milhões de anos. Foram encontrá-lo muito depois do horizonte, brilhava, mas sem os raios para aquecer a Terra. “Sol, o que aconteceu para você se atrasar assim? Não percebe que se não espargir seus raios tudo ficará num eterno alvorecer?”, disse alguém. Por mais que insistissem, lá permaneceu por longo período, quieto, olhos no chão, cabisbaixo, pensativo. Não sabia o motivo da tristeza, imaginava que tudo iria passar, como tudo passa na vida. As coisas boas passam, as ruins também, pensava ele. Num relance, olhou para o alto e notou a lua que permanecia plácida no seu último quarto de hora. Percebeu que também ela, apesar de cheia e bela, deixava transparecer um misto de tristeza e angústia. Ela que a noite inteira andou de braços dados com planetas do sistema solar, agora estava ali, quieta, silenciosa, diante do grave momento. O que estaria acontecendo, afinal? Essa foi a pergunta que fez a si mesma antes de se aninhar nos braços da barra da manhã. Aguardaria ordens, para dar início ao dia que trazia dependurado em seus raios.
Enquanto isso, na Terra, chuva miúda calava fundo na alma da madrugada, que teimava em permanecer estática, plasmada e rígida diante dos fatos. Ao longe, ouviam-se cânticos. Era como se estivem parados no ar. As águas dos rios se aquietaram e a brisa fresca da manhã não balançavam a relva ainda coberta de sereno. Onde andarão todos os galos que costuram os mantos azuis de todas as manhãs? Por que também eles, empoleirados, não trazem os raios do sol? Os pássaros em seus ninhos tépidos esperavam para entoar seus cantos, as andorinhas em revoada dariam início ao verão.
Mas tudo estava silente. Silêncio profundo. Havia tristeza nos olhares e, também, respeito. Muito respeito!
De repente, não mais que de repente, tudo voltou ao normal. O Sol pode então derramar seus raios sobre a aurora. Os galos cantaram tecendo o manto azul bordados em fios de ouro cada pingo de orvalho. A barra da manhã surgiu tímida no horizonte. Bandos de borboletas de todas as cores voavam em todas as direções. O abrir e fechar de asas provocava no ambiente um misto de música e lamento. Era réquiem para uma pessoa muito especial: Daniel Chalela Junior, que partia rumo ao infinito, juntando-se à plêiade de espíritos superiores.
A mulher, Analu, esteve presente em todos os momentos da batalha que ele travou contra terrível doença. O chamava de guerreiro. Daniel foi mais que isso. Ele foi um misto de médico e santo. Cientista que foi, usava a medicina para curar e seu coração e alma bondosa para consolar. Aos pacientes que não tinham condições, fazia o impossível para que não ficassem sem tratamento. Havia nele o desejo de ajudar os enfermos a vencer a luta contra suas angústias e sofrimentos.
Daniel, os grandes homens que passam pela terra não morrem. Encantam-se. Com certeza, você se encontra encantado em alguma estrela brilhando no universo!