Fui testemunha, em mais de uma vez, de ver pássaros brigando por território ou para afugentar machos em busca de fêmeas. Um dos que mais me despertavam a atenção era o joão-de-barro. Ele defendia sua morada e sua companheira com a fúria de um leão, com garras e bico. Certa feita o vi se engalfinhar com um concorrente. Quando a luta terminou, seu algoz estava estirado ao solo.
Essa ave era muito querida pelo caboclo. Nunca soube de alguém que tenha jogado pelotas com estilingue num joão-de-barro. Era admirado por ser o pedreiro da floresta. Foi cantado em prosa e versos por cantadores e poetas caipiras. Um dos maiores sucessos de Sérgio Reis, composto por Muibo Cury e Teddy Vieira, conta a história do pássaro que certo dia “arresorveu” arranjar uma companheira. No vai e vem, ia até a bica d’agua pra buscar barro e fazer sua morada. Nas manhãs, cantava fazendo festa pra aquela que tanto amava. Depois da casa pronta, enquanto ia buscar ramos para construir seu ninho, sua amada o enganava. A moda diz que neste mundo o malfeito é descoberto, a pobre ave viu de perto sua esperança perdida. Ficou cego de dor, trancou a porta da morada deixando sua amada, presa para o resto da vida.
Essa moda causou polêmicas entre caipiras. Nas rodas de conversa, uns eram contra, outros, a favor da vingança. Diziam que tinha, sim, que trancar sua morada com ela dentro, outros se apiedavam, dizendo que a ação era muito cruel. Diziam: “Tudo bem que a Joaninha o enganou, ao descobrir a traição, devia colocá-la pra fora de casa e deixá-la seguir seu destino”.
Caboclos mais antigos diziam que o joão-de-barro jamais faria uma coisa dessas. Isso é pura lenda, diziam.
Nos fundos de onde é hoje o condomínio Village La Montagne, em Rio Preto, próximo ao riacho, tinha uma reserva nativa com árvores imensas.
O local era próprio para armar arapucas devido ao grande número de nhambus, codornas, pombas juritis e rolinhas. Hoje, quando penso que caçávamos essas avezinhas, me corta o coração. Naqueles tempos, era normal, já que a carne de vaca era sonho de consumo. E, também, não havia proibição de caça.
Numa tarde em que o sol descambava para o horizonte, eu, em companhia de mais alguns garotos, fui passar em revista as armadilhas pra ver se aves tinham sido pegas. Para nossa frustração, estavam intactas, nenhuma ave presa. Enquanto verificávamos as armadilhas, Paulinho se afastou de estilingue em punho tentando derrubar uma rolinha fogo-apagou. De repente, ouvimos seu grito nos chamando pra ver algo que ele tinha descoberto. No galho de uma paineira, lá no alto, uma casa de joão-de-barro com a portinha fechada. Então é verdade a história da música?, pensei. Ela estava a uma altura que somente com escada daria pra acessar, subir na árvore, impossível, ela é pontuada de espinhos.
Ficou decidido que na manhã seguinte levaríamos escada e, assim, desvendaríamos a lenda.
No outro dia, assim que saímos da escola, fomos até lá com o equipamento. Para nossa tristeza, a casinha tinha sido levada. Feliz, ou infelizmente, a lenda do joão-de-barro vai permanecer por um bom tempo ainda.