Continuamos com as aventuras do seu José Eleutério, boiadeiro com mais de 90 verões e que tocava, comprava e vendia boiada por esse mundão de meu Deus, contadas pelo dentista João Licurgo Espinha, morador de Ipiguá.
O medo das comitivas, quando se embrenhavam pelos sertões, eram as tocaias feitas por bandidos. Eles sabiam que a boiada era comprada a dinheiro vivo. O capataz era o comandante da comitiva e responsável por tudo o que acontecia durante os dias de jornada. Era ele quem levava o pagamento em espécie. Daí, todo cuidado era pouco, devido a possíveis ataques.
Certa feita, foram buscar uma boiada em Três Lagoas, Mato Grosso. A guaiaca do boiadeiro ia bufando de cheia, eram muitos contos de réis. Seria pagamento à vista. Quando se aproximaram de vila Pereira, hoje Fernandópolis, foram tocaiados. Por sorte, levavam com eles alguns cachorros que sentiram a presença de estranhos na mata escura. Ficaram todos em alerta. Desceram dos animais e se protegeram atrás de árvores. Foi a conta. Uma saraivada de tiros ecoou floresta afora. Os cavalos se assustaram e se meteram na escuridão. Quando os tiros cessaram, a comitiva de seu Zé Eleutério teve baixas, impossibilitando continuar a viagem. Os peões foram enterrados ali mesmo, com vestimentas e tralhas. Do lado do bando, também houve baixas. Os órgãos policiais da época não ficaram sabendo do ocorrido. As leis do sertão eram assim. Deixaram os corpos para que os urubus se banqueteassem. Tempos depois, lá estava o boiadeiro no mesmo picadão em meio a mata, rumo a Três Lagoas, para terminar o serviço.
A música “Travessia do Araguaia”, composição de Osvaldo Franco e Décio Santos, nos conta sobre um ponteiro novo que, em sua primeira viagem, não sabia que as piranhas eram um perigo danado. Quando chegaram à beira do rio, o capataz ordenou que o rapaz derrubasse n’água um boi velho de aspas grandes, corroído pelo tempo. Sangrando por ferroadas, no Araguaia foi entrando. As piranhas vieram loucas e o boi foram devorando. Enquanto o boi velho era devorado, a boiada foi nadando e saiu do outro lado.
Zé Eleutério contou que, não uma, mas diversas vezes tiveram que fazer exatamente como na velha moda caipira. Todos tinham pena do animal, mas era a única forma de o gado passar ileso. Caso contrário, e como já tinha acontecido de os bois serem atacados, a mortandade do gado era muito maior. Na confusão dentro d’água, morriam afogadas. Era triste vê-los boiando rio abaixo. O velho capataz tinha pena de ver o boi sendo comido vivo por ferozes peixes, mas o que não tinha remédio remediado estava. Depois de a vacada passar, o rio voltava à calmaria de sempre, esperando por outra boiada.