O caboclo, em tempos passados, era muito religioso, respeitava todos os santos e, no dia deles, não ia pra roça, dizia que era pecado trabalhar. Tinha que guardar o santo. Crédulo por natureza, acreditava nas lendas contadas pelos mais velhos e tinha aquilo como verdade.
Durante as rodas de conversas nos terreiros em noite de lua cheia, cansei de ouvir histórias que me deixavam de cabelo em pé. Contavam com tanta ênfase, que acabávamos por acreditar. Seu Bentinho, morador da última casa da colônia, certa vez contou que, num lugar onde morava, tinha um senhor que virava lobisomem. Jurava de pé junto que era verdade. Dizia que quando nasceu Toinho, seu filho caçula, ele e sua mulher foram visitar a “cumadi”, que também tinha dado à luz, do outro lado do “corgo”. Era tempo da Quaresma. As crianças não podiam sair de casa sem que tivessem sido batizadas. Nas vilas, o padre ia uma vez por mês, quando não chovia. Se chovesse, só Deus para saber. Levaram o recém-nascido junto, enrolado num cobertor vermelho. A conversa estava tão boa, que se esqueceram da hora. O relógio na parede deu doze badaladas, indicando meia-noite. Se despediram às pressas. Não sem antes pedir um facão emprestado ao “cumpadi”. Vai que o bicho peludo aparece, disse seu Bentinho. A criança estava sem batizar, era pagã. Daí o medo. Lobisomem adora comer criança que não foi batizada.
Por entre o cafezal, a mulher ia à frente, agarrada ao bebê, ele logo atrás, com a arma em punho. No céu, a lua ia alta, quando, de repente, surgiu de trás do cafeeiro um bicho arcado, sem colocar as mãos no chão. Vinha bufando. Saltou sobre a criança no colo da mãe. Com a boca, tentou arrancar o cobertor vermelho. O pai, mais que depressa, deu-lhe facãozadas pelo corpo, fazendo-o desistir do feito.
No outro dia, seu Bentinho cruzou com o dito lobisomem. O homem ficou encabulado ao ver seu Bentinho. Deu pra notar que, ao dar bom dia, ele tinha hematomas pelo corpo e deixou ver um fiapo de lã vermelho entre os dentes.
Outra lenda, essa contada pelo seu Zequinha, dizia ele que quando morou em uma casa de pau a pique, lá pros lados de Vila Pereira, hoje Fernandópolis, sua mulher deu à luz seu primeiro filho. Durante o dia, amamentava a criança até que não quisesse mais. Na madrugada, quando ia amentar novamente, o leite desaparecia de suas mamas. A criança, claro, chorava de fome. Tinha que esperar amanhecer para o leite retornar. Aquele comportamento deixava todos preocupados. Até que um vizinho lhe falou para procurar um benzedor. Por aquelas bandas, era fato corriqueiro cobras mamarem nas mulheres com bebês.
Sem demora, foi até o dito benzedor, que profetizou: é, sim, cobra que está tomando o leite da criança. Naquela noite, ficou de plantão, esperando pela serpente. Pouco antes da meia-noite, ouviu uma “buia” no telhado. Era a danada que vinha descendo pra mamar. Um tiro certeiro nela, e nunca mais o bebê chorou de fome à noite.
Hoje não se ouve mais falar em lobisomem nem em cobras que mamam. Pena. As lendas também estão se acabando!