Meu amigo e leitor desta coluna, João Licurgo Espinha, dentista e morador em Ipiguá, foi quem me passou esta história com sabor especial.
Foi amigo do seu José Eleutério, contava à época com mais de noventa verões. Boiadeiro de profissão, andava choroso e cheio de saudades dos velhos tempos em que comprava e tocava boiada por esses sertões sem fim. Sua cidade natal era Coromandel, no Triângulo Mineiro. Os peões daqueles tempos eram o que são hoje os artistas. Andavam sempre muito bem vestidos e a caráter. As vestimentas contavam com chapéus de boa qualidade, camisa de mangas compridas, no pescoço invariavelmente lenço vermelho, a guaiaca presa na cintura, calça bombacha e botas de cano alto. Esporas prateadas que, em contato com o solo, emitiam som característico. E o mais importante: andava sempre com dinheiro na guaiaca para gastar nas casas das “primas”. Por onde passavam, as mocinhas nas janelas sonhavam em partir com eles.
Seu Zé Eleutério contou que ele e seus companheiros estavam na estrada vindos de Cuiabá em direção a Barretos com mais de mil e duzentos bois pantaneiros. Foram muitos dias de marcha – uma marcha um dia. Quando estavam próximo ao rio Paraná, pouco antes de fazerem a travessia, enquanto passavam por um grotão, uma onça esturrou bem próxima da manada, o gado estourou e foram horas para reuni-lo novamente no meio da mata densa. Deram por falta de algumas reses. O caboclo era por demais inteligente. Não podia deixar uma única rês para trás, o capataz era o responsável para entregar os animais sãos e salvos. Se faltasse algum, era descontado do salário. Por isso, andavam prevenidos. Na trempe junto ao cozinheiro, ia um saco de sal. Interessante que, quando isso acontecia, eles passavam salmoura no lombo de um boi ensinado, o bicho entrava na mata, ia ao encontro dos marruás. Estes sentiam o cheiro do sal de longe e vinham ao seu encontro para lamber. O boi então regressava ao ponto de partida junto a boiada trazendo os bois de arribada.
Meado dos anos de 1950, saíram de Andradina em direção a Bauru para embarcar no trem de ferro uma boiada rumo a capital. Foram muitos dias de marcha até chegarem ao destino. Entregaram a vacada. Estavam felizes pelo sábado livre. À noite iriam ao bordel “Casa da Eny” gastar os cruzeiros. Enquanto isso, marcaram para depois do almoço partida de futebol entre boiadeiros e ferroviários. O time dos vaqueiros estava completo, mas no time da casa faltava um jogador. Alguém se lembrou que morava ali perto o filho de seu João Ramos do Nascimento, um rapazinho franzino com pouco mais de dezesseis anos. Seu Zé Eleotério ficou no gol. O menino deu um baile nos boiadeiros, só ele fez mais de quinze gols, deixando os marmanjos injuriados.
Meado do ano de 1958, Zé Eleutério viu uma foto no jornal de sua cidade e no ato reconheceu o garoto que lhe fizera tantos gols e que acabara de ser convocado para disputar na Suécia a Copa do Mundo, defendendo a seleção brasileira. Seu nome, Edson Arantes do Nascimento, ou, simplesmente, Pelé.