Graziele Delgado e Evandro Valereto (Foto: Arquivo Pessoal/ A Cidade)
Olá, querido(a) leitor(a). Temos acompanhado a tragédia que tem acontecido no Rio Grande do Sul e, em meio a tudo isso, pudemos ler uma notícia em que o governo federal disponibilizaria cerca de R$50 bilhões para reconstruir o estado. Acontece que, em uma entrevista, o governador Eduardo Leite afirmou que cerca de R$40 bilhões será oferecido como crédito – especialmente para pequenas empresas e produtores. Apesar de parecer uma ótima medida e a utilização do crédito ser algo comum entre os brasileiros, gostaríamos de aproveitar a oportunidade para discutir um conceito importante na economia: crédito não é dinheiro. E a abundância de crédito é um dos motivos que tem levado a economia do nosso país para o buraco.
O princípio de saúde financeira é o mesmo para todas as organizações da sociedade: a única forma de enriquecer é o acúmulo de capital, que nada tem a ver com o crédito. O caminho natural e desejado é conseguir gastar menos do que se ganha, guardar parte dos recursos e investí-los (seja no mercado financeiro ou em projetos reais). Acontece que o considerado “normal” na sociedade, desde as elites até as classes mais pobres, é utilizar o crédito como consumo e investimento, o que pode ser um dos maiores erros que atrasa nossa economia.
Imagine que a Cláudia começou a utilizar o cartão de crédito e tudo estava sobre controle, até que ela não conseguiu pagar uma das faturas: acabou se descontrolando nas compras, teve alguns imprevistos e pronto: o dinheiro não é mais suficiente. Qual o caminho mais provável? Cláudia vai pagar a fatura do cartão e deixar que sua conta corrente fique negativa, afinal ela aprendeu que os juros do cartão são os maiores que existem e ela não quer pagar essa quantia ao banco. Aparentemente resolvido, Cláudia segue a vida sem diminuir os gastos do dia a dia – ela não consegue assumir o controle das contas. O que acontece no próximo mês? Mais uma vez, não é possível pagar a fatura do cartão. Então ela parcela e vida que segue. No mês seguinte, a mesma história: cansada da situação, ela vai até o banco e é motivada a contratar um empréstimo que cobrirá a dívida inicial e trará paz à vida de Cláudia. Depois de alguns meses, ela tem 2 parcelas de cartões se acumulando, uma prestação do empréstimo e o risco de estourar sua fatura do mês atual. Em cerca de meses, Cláudia tem parte significativa da sua renda mensal comprometida com parcelas, o que significa ter cada vez menos dinheiro para gastar no supermercado, na farmácia ou até na educação e lazer da família.
O que a Cláudia fez quando começou a usar o cartão de crédito para suas compras? Basicamente, ela comprometeu um dinheiro do futuro (que ainda não tinha ganhado) para adiantar desejos e necessidades. Ou seja: dinheiro não existente. O que Cláudia fez quando não conseguiu pagar a primeira fatura? Usou o cheque especial e pagou o cartão. Em seguida, utilizou de um empréstimo para cobrir o cartão e a conta. Na prática: usou uma dívida para pagar outra. E assim, em pouco tempo, grande parte do seu dinheiro mensal ficou comprometido. Agora, imagine isso acontecendo a nível federal.
O governo nada produz: suas receitas dependem da produção das pessoas e recolhimento de impostos. Portanto, o que o governo consegue arrecadar é sempre variável. Só que o governo é como a Cláudia: incapaz de gastar menos com sua própria estrutura e com parte do dinheiro já comprometido (cerca de 70% do PIB), sua “solução” é emitir cada vez mais títulos para cobrir a conta presente – pagar dívidas fazendo mais dívidas. O que significa que, em um futuro próximo, haverá cada vez menos recurso para saúde, educação, segurança, infraestrutura, etc. Ao oferecer ajuda ao Rio Grande do Sul por meio de dívida, o que o governo está fazendo é jogando a conta para os cidadãos: mais dívida significa ter que aumentar impostos no futuro para honrá-las. É a Cláudia com mais de 70% da sua renda mensal comprometida, fazendo mais e mais dívidas no cartão de crédito. Acontece que, nesse caso, não apenas a família da Cláudia vai pagar esse preço – a conta é de todos nós. Mais pessoas trabalhando mais tempo, para pagar mais impostos. Aquela sensação de nadar, nadar, nadar e morrer na praia.
Não confunda crédito com dinheiro: usar crédito é jogar a conta para o futuro, com um dinheiro que nem existe, e você vai ter que “dar um jeito” quando a hora chegar. E “dar um jeito” significa ter menos dinheiro disponível para o que é importante, sacrificar ainda mais necessidades, perder o sono com os boletos e destruir sua qualidade de vida – e de sua família. O crédito não é uma “possibilidade”, é uma armadilha – e funciona como uma guilhotina para 99% das pessoas, incluindo a economia do país. Não caia nessa falácia. Tenha uma excelente semana, querido(a) leitor(a).