Graziele Delgado e Evandro Valereto (Foto: Arquivo Pessoal/ A Cidade)
Olá, querido(a) leitor(a). Na semana passada alguns dados divulgados sobre o mercado de apostas movimentou e fez burburinho na internet: elas movimentam 1% do PIB brasileiro e comprometem até 20% do orçamento dos mais pobres. Só a título de comparação, nos EUA, onde cassinos e apostas são liberados, esse segmento é responsável por 0,4% do PIB americano, um número bem menor do que o que estamos vendo acontecer no Brasil. Obviamente, os educadores financeiros e gurus da internet aproveitaram os dados para falar dos perigos das apostas, mas se engana quem pensa que é uma questão de “educação financeira”. No artigo desta semana queremos falar do que chamamos de “lado B das apostas”: aquelas informações que serão pouco vinculadas por aí, mas explicam o sucesso da prática para os seres humanos.
Não é de agora que as apostas fazem parte da vida das pessoas: os números relacionados a “tentar a sorte” sempre estiveram presentes – as próprias loterias batem recordes todos os anos e, apesar de proibidos por leis, temos um histórico de apostas no famoso “jogo do bicho”, corridas de cavalo, apostas esportivas, Daytrade e, agora, a mais nova sensação: as apostas on-line que aparecem como entretenimento, em formatos de jogos e aplicativos. O histórico é longo e a questão é: por que fazem tanto sucesso?
A primeira explicação para o fenômeno é biológica: nosso cérebro é uma máquina de buscar prazer imediato. Fazemos isso diariamente na nossa alimentação e em várias oportunidades de escolhas: preferimos a pizza ao alface; a Netflix aos estudos; a vida social até tarde ao sono de qualidade, as redes sociais à vida real. Temos um sistema de recompensa instalado no nosso cérebro, responsável por fazer as negociações dos nossos comportamentos rotineiros. Normalmente, vão ganhar aqueles que nos trazem mais prazer imediato. Foi assim que sobrevivemos enquanto espécie humana: nossos ancestrais se preocupavam apenas com o “hoje” – a comida do dia, o abrigo do momento. Funcionamos assim há muito tempo e, apesar do mundo ter evoluído e vivermos em um ambiente muito mais complexo, esse funcionamento não se adaptou, de forma que essa preferência temporal ao “hoje” tem nos trazido muitos problemas não só ligados ao dinheiro, mas nossa saúde física e mental. Portanto, ser humaninho, tenha essa consciência: toda a química do seu corpo é regulada e tem uma tendência natural a recompensas imediatas – o que as apostas sabem muito bem. Isso, sem contar toda a questão de disposição genética a comportamentos impulsivos, que podem piorar muito toda a questão.
Também temos todo um contexto social que influencia ainda mais as apostas. Quando olhamos para o acesso ao lazer das classes mais baixas da população, por exemplo, percebemos que grande parte do entretenimento tem a ver com o consumo. É a comida por aplicativo que serve como uma compensação em um dia difícil; uma comprinha desnecessária depois de uma frustração no trabalho; o “eu mereço” do final de semana e por aí vai. Em muitos casos, a falta de segurança e a violência aumentam ainda mais esse comportamento, já que atividades de lazer como andar de bicicleta na rua ou passar o dia no parque são descartadas pelo alto risco. As redes sociais e estes aplicativos - de jogos, apostas e compras - são a “nova televisão”: pessoas passam horas e horas do dia olhando para telas como forma de diversão.
E aqui entra um ponto muito profundo do comportamento humano: somos absurdamente influenciáveis. As empresas de apostas também sabem disso, e gastam zilhões de reais mensalmente com os influenciadores, responsáveis por propagar todo o mecanismo dos jogos e apostas, mostrando ganhos diários e fazendo todo o marketing do “produto”. Além disso, essas empresas tem grande poderio financeiro e tem se tornado patrocinadores dos eventos mais assistidos do país, como torneios de futebol, shows e festivais. Nesse ponto, você tem um grande poder: escolher quem te influencia. Obviamente que, se você assiste o influenciador X todos os dias, falando repetidamente sobre as apostas, em algum momento você vai ceder – é natural. Aquilo vai se tornando tão familiar e fazendo parte do seu dia a dia, que em algum momento a curiosidade vai bater e você vai acabar arriscando.
Como se tudo que falamos até aqui não fosse suficiente, tem ainda o pertencimento: chega um momento que você parece ser o único que não joga. Assim como a loteria, o tal do “jogo do tigrinho” ou do “foguetinho” passam a fazer parte das rodas de conversas dos amigos, dos churrascos da família nos finais de semana e até mesmo do cafezinho no trabalho. Então, mesmo se você não tivesse interesse pelo assunto, acaba “entrando na onda” para se sentir menos deslocado e conseguir fazer parte do seu círculo social. E, daí, é muito fácil adquirir ao vício quando você entra em contato com todo o sistema de recompensas que os jogos têm, já que são feitos para te manter o máximo de tempo jogando.
E, agora, vem o ponto mais cruel: o desespero. O contexto econômico com preços subindo o tempo todo, mais impostos sendo cobrados e o brasileiro vendo seu poder de compra derreter, levam ao desespero. E, em um ponto em que as contas não fecham, é muito tentador acreditar que você vai começar colocando só R$10 e pode terminar o dia ganhando R$50. E isso passa a ser um ponto de esperança no meio da escuridão: qualquer R$50 a mais vai definir se vai ser possível pagar a conta de energia ou aquele presente de aniversário para os filhos. Neste ponto, as apostas começam a se tornar uma possibilidade de “renda extra”, ou de pagamento do básico que falta. É quase impossível escapar nessa situação.
Veja: os pontos apresentados aqui são muito profundos e os criadores dos jogos e aplicativos sabem de todos eles. Todo o ambiente do jogo é pensado para que você não consiga sair dali: quantas vezes você vai ganhar até ter confiança suficiente para aumentar a aposta? Quanto tempo precisa durar uma jogada para não dispersar sua atenção? O quão fácil é transferir seu dinheiro e começar? Quem são os influenciadores que vão falar sobre isso? Quais eventos eles vão patrocinar? Como tornar o jogo um “status social”, a ponto de fazê-lo virar assunto no almoço dos finais de semana? Quais cores a interface do aplicativo precisa ter para despertar o comportamento impulsivo? TUDO o que foi colocado ali foi milimetricamente pensado para te fazer perder. Portanto, vale aquela máxima: NÃO COMECE. Mantenha a máxima distância que conseguir. Porque foi feito para que você fique preso(a) e viciado(a) o mais rápido possível.
Nosso grande poder não está na “força de vontade” ou “disciplina” de jogar com responsabilidade: está em evitar a tentação. Por isso, se podemos deixar um conselho poderoso sobre o assunto: escolha à dedo quem serão as pessoas que você vai seguir nas redes sociais. Na hora de fazer a propaganda de apostas, os influenciadores só tem uma preocupação, e é a própria conta bancária. Entenda que cada um está lutando pelo seu e essas pessoas não se importam com o quanto você vai perder, o quanto de dívida você vai contrair ou se isso será a desgraça da sua família. Portanto, olhos muito atentos! Precisa de renda extra? As contas não estão fechando? A aposta não é e nunca foi um caminho de solução. Quer mais entretenimento? Busque outras opções: a linha que separa a aposta como entretenimento do vício que pode afundar sua vida é muito tênue. Melhor evitar. No mais, querido(a) leitor(a), todo cuidado é pouco: em um contexto em que existem muitos pontos que nos fazem perder o controle, é melhor não arriscar! Tenha uma excelente semana, querido(a) leitor(a).