Minha mais recente crônica aqui publicada - Nova Itapirema - fala de um antigo conhecido que tinha morado lá pras bandas do vilarejo de Monte Belo. Seu sobrinho Manoel Freitas entrou em contato comigo para dizer que seu tio mora com ele em Rio Preto e que, apesar da idade – mais de 90 anos –, ainda está lúcido e que se emocionou ao ver seu nome no jornal. Diz que ficou todo choroso ao se lembrar de tempos idos e que desejava falar comigo. Sábado passado, fui me encontrar com meu antigo amigo.
Toquei a campazinha, confesso que estava emocionado pelo encontro de há muito sem nos vermos. Sem perguntar de quem se tratava, abriram o portão. Seu Custódio estava em pé no alpendre à minha espera. Dei-lhe um abraço afetuoso e um beijo naquelas faces sulcadas pelos arados da vida. Barba acabada de ser feita, senti o perfume do leite de rosas e no mesmo instante me lembrei do meu pai. Foi através dele que passei a usar e continuo até hoje, para me lembrar do meu velho, toda manhã ao me barbear.
Senta-se numa cadeira azul de cordinhas de plástico. Me convida a sentar também. Agradece sua inserção na crônica. Pergunto se ele tem saudades da infância na Bahia. Disse que sempre pensou em ir lá para rever a terra natal, mas nunca teve oportunidade. Gostaria também de voltar à fazenda onde nasceu. Dizem que o local ainda mantém as características de antanho. Seu avô paterno era escravo e sofreu todas as agruras dos africanos, arrancados à força de seus países, que foram trazidos para essas terras para enriquecer seus donos. Depois da captura, eram levados por outros negros até a cidade e lá eram vendidos. As famílias eram separadas e nunca mais se viam. A viagem no porão do navio era custosa e cheia de dificuldades. Muitos morriam pela precariedade e pela fome. Era servida uma única refeição, que não passava de fubá com água. Seu Custódio se emociona várias vezes ao se lembrar de seus entes queridos. Foi com a avó Maria das Dores que aprendeu rezas para curar as mais diversas doenças. Aprendeu a entrar no mato e tirar de lá raízes, plantas, sementes e folhas com as quais fazia garrafadas para aliviar as dores dos seus. Era chamado para benzer desde bicheiras nos animais até conversar com cobras quando picavam o gado no pasto. Pergunto se essa história era verdade e como era feito. Me diz que sim, era verdade. Só não podia me dizer o que acontecia, a não ser se um dia eu fosse iniciado nos sagrados segredos dos seus ancestrais africanos. Eu disse que meu avô também foi escravo. Pronto, você, como neto, tem sangue africano e está apto a ser iniciado, disse-me. Levei um susto. Ele percebeu e, para me acalmar, deu leve sorriso dizendo ser brincadeira. Penso que seu Custódio vai ficar todo garboso ao saber de uma crônica inteira sobre ele.