Encontro, para minha alegria, numa das esquinas do centro de Rio Preto, o professor e historiador Antônio Caprio. Enquanto colocávamos a conversa em dia, aproximou-se de nós um amigo dele, a quem fui apresentado. Durante a apresentação, Caprio diz ao seu conhecido que eu era, dentre outras coisas, historiador caipira. A conversa durou mais alguns instantes e cada um seguiu seu destino. Mas o historiador caipira ficou “matutando” na minha cabeça. Nunca havia pensado nisso e nem tenho a pretensão de ser. O que faço, e com muito prazer, é contar aquilo que vivi no passado onde fui testemunha de algo que não existe mais, e que está somente na memória daqueles que, como eu, também vivenciaram o bucolismo do campo. Como escrevinhador, tenho a rara oportunidade de, por meio deste espaço, alumiar com a luz bruxuleante da lamparina o passado e trazê-lo à tona. Contar o modo de vida do caboclo, seus medos, suas angústias e também suas alegrias. Fico feliz quando encontro alguém que, ao ler minhas crônicas, se emociona ao se ver ali, representado.
Encontrei numa manhã de domingo, no Mercadão, o também professor e historiador Agostinho Brandi, e falávamos justamente sobre o jogar luz na história recente do homem da roça. Os fatos e os acontecimentos são puxados pela memória devido à falta de documentos, fotos e registros da vida do caipira. As histórias são passadas de geração em geração, por ouvir dizer sem datas precisas, mas isso pouco importa. O que vale são o sentimento e as lembranças que nós, caboclos e caboclas, fazemos questão de manter vivas em nossas memórias. Talvez no futuro nossos netos sintam desejo de resgatar a história de seus antepassados, e a vida do homem do campo será para sempre preservada. Por enquanto, vamos vivendo de lembranças.
E por falar em lembranças...
Lembro-me que em todas as tardes, depois do jantar, os homens se reuniam no terreiro para prosear e contar causos, enquanto enrolavam cigarros de palha. Eu ficava admirando os mais velhos contar histórias e de vez em quando soltavam baforadas do cheiroso fumo goiano. Ouvir suas aventuras e principalmente sobre como namoravam no passado era, para mim, algo indescritível.
Os namoros geralmente iniciavam nos bailes de barraca. Os olhares se cruzavam, até que o cavalheiro tirava a dama para dançar. Se tivesse coragem, no primeiro bailado se “declarava” para a moça, falando dos seus sentimentos. Ela ficava ruborizada diante do galanteio e, se também estivesse enamorada, aceitava e, claro, a coisa ficava só nisso. Dançavam a noite inteira, sempre com muito respeito, rosto colado nem pensar, beijo, então, estava fora de cogitação. Quando o baile terminava, com autorização do irmão dela, caso permitisse, poderia acompanhá-la até sua casa. Iam de “bonde”, sem pegar na mão. Contava meu pai que uma vez foi levar a recente namorada em casa depois do baile. No caminho, com as demais pessoas por entre cafezais, teve a ousadia de tentar pegar na mão da moça e ouviu dela um sonoro: “Não sou cega”. Deu meia volta e acabou ali o namoro que ora se iniciava.
Quando o idílio vingava, o moço era convidado pelo pai da moça a pedir para namorar em casa. Entre namorar, noivar e casar, não passava de meses. Caso o velho fosse contra o namoro, a alternativa dos enamorados era fugir. Muitas vezes casavam na polícia.
Meu querido amigo Antônio Caprio, você, sim, é historiador, eu, dos causos sou contador.