Recebo via e-mail, do meu amigo e delegado de polícia Venício Cândido Oliveira, crônica da Danuza Leão. No belo texto, a escritora fala das lembranças e dos quintais da sua infância vivida na cidade. Eles são parecidos ou iguais aos vividos por nós, antigos moradores da roça.
Naqueles tempos, e bota tempo nisso!, as crianças da zona rural não iniciavam a alfabetização antes dos sete anos. Pela manhã, mal lavavam o rosto na bacia de água fria retirada do poço, enxugavam o rosto na toalha de saco de açúcar refinado - impecavelmente branca, lavada com anil e quarada –, estávamos prontos para brincadeiras e incursões quintais afora, subir nas árvores mais altas, quando no topo, avistar ao longe o horizonte se confundir com o azul do céu.
No fundo da nossa casa, entre outras plantas, havia um pé de manga rosa. Copa redonda, não muito alta, aliás, como é característico da espécie. Mas, para um garoto de seis anos, parecia o Empire States Building. Subia agarrado ao tronco sem olhar para baixo. Ia avançando lentamente até chegar ao topo. Em princípio com muito medo, aos poucos, fui ganhando coragem e, tempos depois, estava travando lutas e batalhas com personagens invisíveis a bordo de naves espaciais, tentando invadir a terra. E, claro, eu vencia todas as lutas, livrando a colônia de terrível mal.
A Danuza fala que nenhum tablet causará maior deslumbramento em uma criança que descobrir embaixo de uma galinha no ninho um ovo quentinho acabado de ser botado. Pura verdade! Meu irmão caçula ficava a espreita, aguardando o cacarejar da ave no ninho. Ao ouvir o canto, saía em desabalada carreira em direção ao galinheiro. Segurando entre as mãos o ovo, com muito cuidado furava a casca e, ali mesmo, sorvia gostosamente a clara e a gema. Era direto do fornecedor para o consumidor, sem intermediário.
Nada paga o encanto de andar descalço no quintal de terra batida, por entre árvores, e se deparar com pés de mexericas desgalhados com o peso das frutas. Centenas delas debruçadas umas sobre as outras, a espera de serem colhidas. Apanhá-las e, ali mesmo, descascá-las, sentindo o cheiro forte exalado, e se deliciar com o doce néctar dos gomos. Como se costuma dizer, não tem preço. Andando um pouco mais, uma moita da doce cana caiana. O canivete não precisava ser bom de corte para descascá-la. Bastava leve pressão e um pouco de jeito para sentir o gosto do mel.
Dificilmente alguém plantava pés de frutas. Eles nasciam sozinhos aqui e ali. Como acontecia com as goiabeiras. Elas brotavam e cresciam por toda parte. Acompanhar o desenvolvimento do fruto desde a branca flor, se transformando em “chumbinho”, depois a fruta madura, era aula de paciência e de vida. Subir num pé de “guaiaba vermeia”, de preferência, e arrancar e comer sem lavar o fruto, descobrir na segunda mordida um bicho se mexendo cortado ao meio, era parte do aprendizado. Colher no chão as cajás-mangas maduras. Os pés, por serem altos, meninos antes da idade escolar não conseguiam escalar seu tronco. Os aromas das flores e dos frutos se confundiam janela adentro nas manhãs caboclas. O cheiro da flor de jabuticaba grudadinha em torno dos troncos rescendia a quilômetros de distância, trazendo multidões de abelhas. Seu zunido parecia uma orquestra imaginária e desencontrada.
Hoje, os quintais deram lugar para piscinas e jardins. No entanto, quando passo por um terreno baldio, fico imaginando que ali bem que poderia se transformar num belo quintal, igual aos de antigamente.