Recentemente, li em uma reportagem numa revista semanal que, a cada 2 minutos, tiram-se mais fotos hoje do que no século passado inteiro. Interessante como os hábitos mudam. Nos anos de 1980 era chique comprar videocassete, ir a locadora, alugar filmes e passar o final de semana assistido as fitas ou comprar filmadoras para registrar momentos familiares. Hoje, o celular e as máquinas digitais facilitam muito fotografar e capturar imagens.
E, por falar em fitas VHS, acabei de passar as minhas para o sistema digital. Numa dessas, uma imagem me chamou a atenção, a Escola Mista da Fazenda São José. Aliás, as escolas mistas, também conhecidas como “escolas isoladas”, tiveram ascensão e glória nos anos de 1950, e declínio e morte no final dos anos de 1970. Os donos das fazendas cafeeiras com crianças em idade escolar construíam os prédios. O estado e as prefeituras se encarregavam do ensino. Alguns pais contavam com a mão de obra infantil e muito relutavam em colocar os filhos para aprender o beabá. Diziam que o estudo trazia sem-vergonhice, principalmente para as meninas. Foi o caso do meu avô materno, que não permitiu que as filhas estudassem. Minha mãe morreu analfabeta por pura ignorância do pai dela.
Hoje, são raríssimas as fazendas que mantêm preservado o prédio da escola em memória aos antigos alunos. No passado, as professoras designadas para as fazendas, se fossem próximas da cidade, iam e voltavam no mesmo dia. Havia situações em que as escolas ficavam distantes. Então, elas se hospedavam na casa do administrador ou do dono da propriedade, e lá permaneciam, e voltavam somente nos finais de semana.
A fazenda em que morávamos era relativamente próxima de Rio Preto. Então, a nossa professora, dona Odila, ia e voltava no mesmo dia. Todas as manhãs, em bandos de meninos e meninas, íamos esperá-la no ponto. Olhinhos ansiosos aguardavam surgir lá no alto da estrada – sem asfalto nessa época – a jardineira azul e branca da empresa São Jorge com destino à Vila “Adorfo”, trazendo nossa amada professora. Ao descer, em coro a saldávamos: “Bom dia, dona Odila!” Havia briga entre nós para levar seus pertences e material escolar.
Ao contrário do que vemos hoje, as mestras eram reverenciadas e amadas por seus alunos e por todos os moradores das fazendas. Os caboclos, ao passarem por elas, tiravam o chapéu em sinal de respeito e admiração. No Japão, o imperador se curva ante a presença de um professor!
As mulheres viam nelas suas dignas representantes e conselheiras. Lembro-me, inclusive, que, quando nascia um filho, não raro, as mães pediam a elas opinião sobre qual nome dar aos rebentos.
A nossa escola ficava no início da colônia, tínhamos que subir alguns degraus, e, ao passar pela porta de duas folhas, entrávamos numa ampla sala, três janelões, dois quadros-negros, quatro fileiras de pesadas carteiras de ferro e madeira, onde sentávamos de dois em dois. Meninos de um lado, meninas do outro, e exatamente no meio, à frente, a cadeira e a mesa da dona Odila com porta-tinteiro. Anos depois consegui resgatar e recuperar a velha mesa. Está comigo até hoje – antes do início da aula, em pé e com mão no peito, cantávamos a plenos pulmões o Hino Nacional.
Quantos homens e mulheres hoje, à frente de grandes empresas, profissionais liberais e de sucesso, sentaram naquelas carteiras! Muito devemos àquelas professorinhas que, com denodo, contribuíram para o desenvolvimento do sertão do noroeste paulista.
Não sei quanto tempo vão durar as imagens digitais da minha escolinha. Na minha memória, serão eternas, com certeza!