Graziele Delgado e Evandro Valereto (Foto: Arquivo Pessoal/ A Cidade)
Olá, querido(a) leitor(a). Recentemente, tivemos acesso a um dado muito alarmante da dívida brasileira: quase 87% do endividamento das família ocorrem via cartão de crédito e parcelamento. Seria muito simples vir aqui e escrever um artigo falando sobre regras e como você deveria agir com seu cartão – a internet está cheia de gurus e informação a respeito disso. Mas, a verdade é que o buraco é MUITO mais embaixo. Neste artigo, queremos explicar os perigos do parcelamento no seu dia a dia, mas de uma forma muito diferente do que você está acostumado: vamos entender a nossa relação comportamental com o cartão e porque esse instrumento, facilmente, se torna um problema na vida de tantas pessoas!
Em primeiro lugar, precisamos entender que o parcelamento está arraigado na cultura brasileira: já dizia o poeta que “a minha felicidade é um crediário nas Casas Bahia”. A população é ensinada desde cedo que, na falta do dinheiro integral para comprar algo, o parcelamento é o caminho mais viável e inteligente para adquirir qualquer coisa. E, não: não estamos falando apenas de famílias mais carentes, cujo único caminho para adquirir o básico, como geladeira, fogão, etc. é realmente o parcelamento. O grande problema das famílias não tem sido em parcelar o básico, mas em fazê-lo para adquirir qualquer coisa – vamos de roupas a celular, lojinhas chinesas, eletrodomésticos, material escolar, seguro, calçados, bolsas, acessórios e até comida. Dito isso: o parcelamento faz parte dos hábitos dos brasileiros e isso é parte do problema porque, uma vez que o comportamento se torna hábito, ele se torna automático. Isso faz com que seja muito difícil ser mais racional diante da decisão de compra.
Existem dois pontos comportamentais essenciais quando falamos do comportamento de parcelar ou usar o cartão de crédito (ainda que seja para pagamento no vencimento): a dor do pagamento e a dissociação do consumo ao pagamento. O primeiro ponto é sobre uma dor “autorrelatada”: não é biologicamente comprovado em termos de fisiologia humana, mas existem pesquisas que mostram o quanto sentimos uma “dor” ao ter que pagar com cédulas. Você, certamente, já passou pela situação de ter uma nota de R$100 e pensar muitas vezes para trocá-la, segurando essa nota na sua carteira. Isso já fez você desistir de muitas compras momentâneas ou impulsivas, não é mesmo? É justamente o que NÃO acontece no cartão de crédito – essa sensação simplesmente não existe. Quanto à dissociação do consumo e do pagamento, a questão é que, ao pagar a sua fatura, você não está mais pagando um café, a blusinha ou uma viagem – você está simplesmente pagando um boleto. Isso faz com que você perca a noção real do quanto gastou e como gastou, o que te torna mais suscetível a gastar de novo.
Obviamente, encontraram uma forma de te convencer a usar o seu cartão de crédito o máximo possível, te iludindo de tantos benefícios como cashback, milhas, pontos, etc. Junte tudo o que falamos até agora e você tem uma bomba na sua vida financeira, construindo hábitos de parcelamento que, inevitavelmente, te levarão para o buraco. E a questão é: informação não é suficiente para mudar. Não adianta nada você saber tudo o que estamos falando aqui, porque o parcelamento está infiltrado na sua rotina, como se estivesse nas suas entranhas. Tente sobreviver sem seu cartão de crédito. Experiemente viver um único mês comprando apenas se tiver dinheiro disponível na conta. Pois é: parece algo impossível ou desafiador demais para ser realidade.
Se engana quem pensa que “educação financeira” é a solução desse problema: precisamos de LETRAMENTO FINANCEIRO, algo que une atitudes, comportamentos e informação. Enquanto acreditarmos, como sociedade, que a solução está em simplesmente SABER, pouco conseguiremos avançar. O consumo tem significados diversos para pessoas diversas, faz parte da nossa vida e estamos vivendo em ambientes cada vez mais desafiadores, que nos estimulam sempre a próximo compra. Precisamos falar de comportamentos e emoções humanas, se quisermos, realmente, assumir o domínio do nosso dinheiro e conquistar qualidade de vida, segurança e liberdade.
A nossa provocação para esta semana é que você observe seus comportamentos e o uso do cartão de crédito, tentando entender seus próprios padrões: o quanto você usa e depende do cartão de crédito? Quanto do seu dinheiro mensal está preso em parcelamentos? Quanto seu consumo está ligado ao seu limite? Quais compras das suas últimas faturas você realmente se lembra, e foram necessárias? Saber não é suficiente, mas o primeiro passo é a consciência sobre o tamanho que essa ferramenta ocupa na sua vida financeira. Este é o primeiro passo.
Tenha uma excelente semana, querido leitor(a).