Nos últimos anos, a Ucrânia tem se tornado referência para barriga de aluguel (Foto: Pixabay)
Em meio à guerra da Ucrânia e todas as dificuldades enfrentadas pelos moradores do País, mulheres que trabalham como gestante por substituição no processo de barriga de aluguel também têm sentido os efeitos do cenário atual por lá. A situação fez com que duas moradoras de Rio Preto, a brasileira Camila Pavan e a ucraniana Iryna Mokhonchuk Dias, criassem uma rede de apoio a pessoas envolvidas em barriga de aluguel no país do Leste Europeu.
Apesar de proibida no Brasil, a prática de maternidade de substituição é permitida em diversos países, entre eles a Ucrânia, que, nos últimos anos, se tornou referência em agências especializadas no método. Foi lá, por exemplo, Camila e o marido, Adriano Garbelini, optaram por fazer o procedimento para gerar a tão esperada filha: Pietra.
A experiência, noticiada pelo Diário em 2020, abriu as portas para que Camila se tornasse consultora no processo de barriga de aluguel, ajudando pais do mundo todo tanto com dúvidas e orientações sobre o procedimento como a encontrarem clínicas que melhores se encaixem com suas necessidades. Em entrevista ao Diário, ela contou que atualmente pelo menos 16 casais “grávidos” estão trocando informações com ela sobre a técnica, que acontece em dezenas de locais pelo país da ex-União Soviética, mas que no momento acabou interrompida pelas incertezas.
“Não tem condição, estão tentando sobreviver e finalizar os que já estão em andamento com segurança, mas as pessoas não estão mais seguras em lugar nenhum lá”, disse Camila, que lembrou que por mais que a região oeste do país esteja mais segura, não é aconselhável iniciar o processo de barriga de aluguel neste momento. “A embaixada brasileira mudou de Kiev para Lviv, então as documentações agora são feitas lá”, contou a consultora, que disse também que algumas clínicas que possui contato conseguiram fazer evacuação de gestantes para outros países, como a República Tcheca.
De repente sem comida
De acordo com Camila, embora as agências tenham suspendido iniciar o método com casais que procuram o país neste momento, as barrigas de aluguel que já haviam sido iniciadas seguem em andamento e finalização. Foi neste contexto que nos primeiros dias da guerra, ainda no final de fevereiro, a consultora se inteirou de gestantes envolvidas no processo em uma agência específica de Kiev, capital ucraniana, que não estavam conseguindo sair nem para comprar comida. Segundo ela, pelo menos oito delas que aguardavam por filhos de brasileiros, entre as dezenas de grávidas em centros de hospedagem que avisaram pais brasileiros sobre o episódio.
“Quando a guerra estourou, gestantes perderam o contato com uma das clínicas e chegaram a ficar em centros de hospedagem isoladas por dias, sem alimentos, porque não havia condição de contato algum. Estava muito complicado, até hospitais ficaram sem comida”, contou Camila, que diante disso, afirma ter acionado Irina para ajudar com o problema.
A ucraniana, que mora em Rio Preto há 11 anos, acionou uma colega, da cidade de Lutsk, localizada na divisão administrativa de Volyn, e narrou o caso, que depois de passar por quatro pessoas conseguiu ser resolvido pela rede de apoio formada por voluntários, que contam também com a divulgação até de influenciadores e famosos do país. Eles são responsáveis por doar comida e também localizar pessoas em meio à guerra.
Camila contou, ainda, que a guerra pegou muitos ucranianos de surpresa e que até certo momento, era possível e fácil enviar dinheiro para o país, situação que foi se dificultando nas últimas semanas. “Muitos pais daqui do Brasil me contaram que quando ficaram sabendo da situação das gestantes mandavam dinheiro, mas chegou um ponto que Kiev não aceitava mais cartão e elas não tinham como sacar os valores”, disse.
A rio-pretense também relatou que alguns casais brasileiros também estavam em Kiev à espera de documentações quando a guerra estourou, chegando a ficar em torno de 12 dias por lá, sentindo também os impactos da escassez de alimentos. “No complexo onde estavam tinha apenas o básico, como enlatados, embutidos e pães e sopa e eles contaram também que acordavam com bombas, que parecia um filme”, disse.
Segundo a consultora, nos primeiros dias da guerra, alguns casais conseguiram buscar o bebê de trem e também contaram ter enfrentado barricadas feitas por soldados ucranianos para vistoriar os passageiros. Agora, no entanto, Camila afirma estar mais difícil para retirar os filhos de barriga de aluguel de Kiev.
Apreensão continua
No final de fevereiro, Iryna contou que a família estava apavorada com o início da guerra na Ucrânia. Pouco mais de um mês depois, a ucraniana disse que o cenário ainda não está “100% tranquilo”, mas que já melhorou na região em que vivem. “Está mais quieto, mas ainda tem ameaça da Bielorússia, que se resolver participar da guerra, eles serão atacados”, conta a moradora de Rio Preto, que também lida com o medo dos novos planos da Rússia para tomar outros quatro estados à beira-mar.
Os familiares de Iryna vivem em Zhorany, cidade pequena localizada apenas a 20 quilômetros da fronteira da Polônia e a cerca de 25 quilômetros da Bielorrússia, que foi por onde as tropas da Rússia entraram no país.
Atualmente, ela conta que os familiares conseguem trabalhar durante parte do dia, uma vez que a noite a cidade se apaga “para não ajudar o inimigo”.
Eles também relataram, de acordo com ela, haver drones sobrevoando a região onde vivem. “Meu cunhado disse que um dos drones já derrubou mísseis. O último lançado foi derrubado não muito longe deles, era um míssil de 1930, porque eles já estão usando qualquer coisa que tem”, disse.
Iryna contou que o maior problema da cidade onde a família vive é a proximidade com a fronteira. Ela disse, ainda, que existe uma lei que se algo cair na região já é considerada uma ameaça pela Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).
Barriga de aluguel no mundo
Nos últimos anos, a Ucrânia tem se tornado referência para barriga de aluguel. Além de ter um valor menor a outros locais, como os Estados Unidos, as clínicas do país oferecem um serviço completo e maior acompanhamento no processo.
Atualmente, o país do Leste Europeu divide o posto com Albânia, Rússia e Grécia, já que o México, Índia e a Tailândia fecharam a opção apenas para moradores do país. Prática autorizada na Ucrânia, a barriga de aluguel é uma forma de mulheres receberem um dinheiro em troca do processo de gestação.
No Brasil, a prática é proibida, sendo permitida apenas a barriga solidária, em dois casos: reprodução assistida ou uniões homoafetivas, por meio de procedimentos que podem ser realizados por um familiar de até quarto grau, ou com autorização do Conselho Regional de Medicina e sem remuneração. De acordo com a Constituição brasileira, é proibido qualquer tipo de venda de substâncias humanas, sendo proibido dispor do próprio corpo quando isso gera "diminuição permanente da integridade física ou contrariar os bons costumes”, sendo que o médico que fizer está sujeito a sofrer penalidade ética.
As normas éticas que regulam a utilização das técnicas de reprodução assistida no Brasil foram atualizadas pelo CFM (Conselho Federal de Medicina) através da Resolução nº 2.294/21.
*Com infomações do jornal
Diário da Região