O Direito não é ciência exata. Com o advento da TV Justiça e os julgamentos televisionados da Suprema Corte, a população passou a assisti-los e verificar que, por diversas vezes, magistrados têm posicionamentos divergentes sobre o mesmo fato jurídico. Este excesso de exposição dos membros da mais alta corte, para os leigos, indignados com algumas posições contrárias ao clamor popular, leva, quase sempre, a uma crítica a pessoa do julgador, quando não a ataques pessoais, como o triste episódio vivenciado pelo M. Gilmar Mendes em duas oportunidades: uma no Brasil e outra no exterior.
A palavra “crítica” foi precedida pelo termo latino critica, “apreciação”, “julgamento”, adaptação do grego kritike. Criticar é praticar a arte de avaliar e julgar.
Digo isso em razão da crítica que passo a fazer à decisão que autorizou a investigação do Presidente Michel Temer, dando uma interpretação literária ao artigo 86, § 4 da CF/88.
Segundo o dispositivo Constitucional: “O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”.
O M. Fachim acatou o pedido da Procuradora da República, Raquel Dodge, decidindo que: “A imunidade temporária vertida no texto constitucional se alça a obstar a responsabilização do Presidente da República por atos estranhos ao exercício das funções; mesmo nessa hipótese (a de atos estranhos ao exercício das funções) caberia proceder a investigação a fim de, por exemplo, evitar dissipação de provas, valendo aquela proteção constitucional apenas contra a responsabilização, e não em face da investigação criminal em si”.
Ao meu sentir, a intenção do legislador constituinte ao conceber a imunidade não foi proteger a pessoa do Presidente da República, pois ao término de seu mandato a responsabilização volta a ocorrer naturalmente, já que suspensa a prescrição durante o exercício do cargo. Quis o legislador, na realidade, proteger a própria Democracia, já que se trata do Chefe de Estado e Chefe do Executivo. Uma ação criminal contra um Presidente da República, por atos praticados estranhos ao seu exercício, abalaria o exercício de seu mister, com repercussões e especulações políticas e econômicas, enfraquecendo o governo. O poder tutelado pela norma, portanto, ultrapassa a pessoa do Presidente, com intuito verdadeiro de resguardar o Estado Democrático de Direito e a governança de uma nação.
Na esteira deste entendimento, em interpretação lógica-sistemática, em que se busca o alcance da norma, situando-a no conjunto do sistema jurídico e ainda, teleológica, na qual se procura o fim que a norma jurídica tenciona tutelar ou proteger, o anterior Procurador da República sequer apresentava pedido de investigação nestas condições.
Segundo Janot: “Significa que há total impossibilidade de investigação do presidente da República na vigência de seu mandato sobre atos estranhos ao exercício de suas funções. […] Não há viabilidade jurídica para apuração dos fatos em detrimento do presidente da República.”
Com toda a vênia, autorizar investigação contra o Presidente por atos estranhos ao seu governo, oito meses antes da eleição, contrário ao sentido da norma Constitucional, somente tem o poder de aumentar a crise política e econômica, com risco de abalo a nossa democracia.