Nossa! Há quanto tempo não nos vemos! Lembro-me ainda o calor dos seus braços quando sem medo e sem dores me carregavas no colo. Mudávamos de casa ou de país, não me recordo isso, quando me apertavas em seu peito com medo que outros se apoderassem de mim? E parecia amedrontado por termos de mudar de fronteiras entre dois países. Isso lhe causava um grande temor e responsabilidade porque na verdade estávamos mudando costumes, atitudes e destinos.
O suor lhe cobria o rosto e eu não entendia meu pai porque tanto cuidado. Na minha humilde lembrança era um passeio que fazias comigo no colo, mas eu sei, agora, a responsabilidade que lhe saía do peito. Foram dias terríveis, me recordo, mas nada deixava faltar na hora das minhas refeições. Lembro-me que batias em portas fechadas de casas estranhas pedindo ajuda para que eu tivesse o que comer. Recordo-me levemente que éramos muitos, naquela empreitada estranha de mudar para melhor a vida de todos. Assim que nos acomodamos embaixo daquela estranha arquitetura de puro concreto, docemente me acomodavas com um negro pedaço de espuma e me cobrias com uma manta repleta de fiapos de lã, mas isso bastava para eu tirar a minha soneca, sabendo que você estaria ali assim que eu acordasse. Levava-me quando podias numa Igreja bem perto do local para que eu assistisse junto contigo uma cerimônia religiosa. Talvez estivesse plantando em minha memória um pedaço do Santo Deus. Recordo um senhor de batina, não me esqueço disso, dizia em tom pausado dezenas de doces palavras que parecia adocicar a sua alma. Voltávamos para o relento e eu começava a questionar a fala daquele homem. “O Pai Criador, não levantou fronteiras nem muros separando ninguém de ninguém”. Não sei e não entendia porque éramos tão perseguidos por pessoas fardadas ou até mesmo sem fardas! Depois que passamos a morar naquele simples e humilde casebre, tu saía todas as manhãs em busca de um trabalho diário, comecei a entender o quanto foi difícil a sua tarefa.
Que bom que não me abandonastes e nem mesmo deixou de dar o carinho que eu sempre precisei. Hoje eu entendo o sacrifício que por mim fizestes. Pena que a sua presença junto comigo não é mais possível. O Criador te chamou para ajudá-Lo na difícil tarefa de humanizar as pessoas. Sabe, meu pai, eu fico pensando: “Até quando alguns se considerarão donos de fronteiras, da verdade e da humanidade”? Que o Senhor Deus tenha misericórdia daqueles que pensam serem donos deste mundo, já que quando forem embora nem mesmo àquela agulha utilizada para colocar um botão em suas camisas, eles acabarão levando.